terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Jardineiro

Cabe a nota:

Um homem caminhava sozinho num dia chuvoso qualquer. A bota, já furada pelo tempo, deixava pedaços de si pela estrada metaforizando a vida do homem que foi dividida, feito herança, em dois países, cinco estados e quatro corações partidos. O que caminhava com a bota, então, era só a marca de uma vida partida. Mal sabia o homem que os pedaços da bota eram sementes. Em outro dia também chuvoso foi surpreendido com trezentos e cinquenta e oito pés-de-si que brotaram por conta da umidade. Quando não chovia, ele passava religiosamente pelos lugares para regar seus brotos. Achou perigoso deixá-los espalhados, levou todos os trezentos e cinquenta e oito para a casa que dividia com a bagunça. As mudas criaram raízes e conseguiram dizer ao jardineiro-em-falta que as outras partes espalhadas careciam cuidado. Lá foi ele. De porta em porta, na ânsia de florecer em alegria viajou os dois países, cinco estados e quatro corações. Voltou com dois porta-retratos embrulhados em plástico bolha, um corte de cabelo, duas camisetas novas e um impagável sorriso no rosto. Ao chegar em casa, encontrou apenas a bagunça, a colheita foi feita à distância.

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