quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Da dor

Seca pelo tempo, a gota de sangue solidária ao chão doentiamente limpo maculou o futuro daquela moça. A parturiente de primeira viagem, horas antes, pedira ao superior dos pensamentos um destino justo a sua prole interrompida. Pesada pela falha que a desumanizava naquele momento, que a distorcia da imagem outrora criada pelo catolicismo genético, ela acariciou o fruto do seu não-amor com as agulhas de crochê, as quais fizeram o primeiro par de sapatos ao longo dos sete meses gestados. Livres. Ambos, mãe e filho, livres. De qual liberdade se fala? A que vive ou a que impede de viver o fardo de uma vida forçada? No ato, com medo, a moça pôs a força que não tivera de dizer não, a vontade que ocultou de ser a mãe, mas do amanhã. No canto, limpou a sujeira feita com trapos de roupa de um enxoval ganhado. Cambaleou alguns metros, sentou, chorou e morreu. Ali, onde seus olhos opacos miravam um futuro que seria, a moça morreu em partes. E se se morre um pouco por dia, naquele, ela morrera alguns poucos. Levantou, seguiu e foi. Ao passar pela última gota, aquela que não havia sido tirada, resolveu deixar como lembrança, como expressão única da sua mais dolorida verdade. Suas vísceras remontavam a nova vida, menos vivida, mas livre do nome, da fome e do resto. Livre da coisa. Livre de si.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Fim da inércia

Para toda falsa poesia

Como uma pedra eu fiquei parado, jogado. Mas ergui a força potencial que me compunha. Caminhei por alguns metros e joguei o mundo para trás, o fundo do meu sonho estava livre daquela massa insolente que decantou: não há mais sentido, não há mais motivo. Há o que é opaco, o que mente e de mente em mente vira verdade. Aquilo que se repete consolida, legitima a força que move o moinho da chama que te comove. O que me fez coeterno, hoje, apenas me eterniza.


sábado, 24 de novembro de 2012

Da soltura do pensamento

Ciúme:
Nunca vi, nem comi, só ouço falar. Dizem que é uma ausência oca que arde no peito e irradia pra mente. Um vazio que dá sentido à mente insana por motivos. Ciúme é essa coisa monstra que faz  em dor o que não era pra ser sentido. Ciúme é sentir o que pode ser, lamentar o que não é, chorar o que já foi. É obrigar, xingar, soltar, clamar, ver, fazer acontecer e desacontecer o que, às vezes, não é. Ciúme no fundo, é aquilo que não é, não chega a ser desamor, pode ser um poramor, um além-amor . Não. É um meu-amor(sem o teu amor). Pode ser ainda que ciúme seja uma parte constituinte do sangue que passa no coração. Uma parte viral que minimiza o real e transforma em migalhas o que outrora já alimentou. Ainda bem que nunca senti.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O que?

O simbólico sentido do sim                                      
seria simples se sorrisse.
Sou sozinho só sentindo                                                             Se for, seja.
sorrindo, sendo simples.

Muda muito minha muda missão
A mim não minto: migrei.
Menti meu medo, mas marchei                                                 Mesmo que mudo.
Manquei, marquei na mão o não                                          
e mostrei.

Talvez tenha temido
E tímido, tremi.
Talvez tenha tentado
E tonto, tentei tratar a tua ternura.                                           Tímido.
A ti, o tempo.
A mim, o texto.

Que caia a casa,
a carta, a cor e a coisa.
Cansei de correr como quando caí:                                            Queira.
Casei meu caso ao acaso.

Se for, seja.
Mesmo que mudo.
Tímido.
Queira.


terça-feira, 20 de novembro de 2012

Anticorpo

Ante o corpo se fez o poço
Tão fundo.
O moço, com medo, caiu.
No fundo.
Perdeu a força, correu.
No chão, gritou:
É meu!
É de ninguém,
é do mundo.
É?

domingo, 18 de novembro de 2012


Andaria pelo mundo procurando
e poderia ser o sol, a chuva, o que for
mas não encontraria
é mais fácil ser achado.
Quem vê de longe sabe: moro em outro mundo.
Amarga a eternidade pensar demais.
A eternidade cansa.
Cansei.


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A causa da palavra


Escrever é transferir a angústia. É sublimar a falta. É preencher o vazio. Escrever, assim, sem razão, é modificar o destino e dar aos dias um quê de solução, a qual parece longe, distante das horas preguiçosas de um dia chuvoso. É misturar palavras que se procuram num lugar sei lá qual, até que se fundem e fundam a existência daquilo que só é porque ainda não foi e se foi é porque ficou. A palavra é a fuga que tange o medo, a libertação e a dor, a palavra é tronco que sustenta o ser. Escrever é transformar em forma o que transforma e corrói e alma. Escrever é. 

Sobre aquela que sabe


Para Geninha

Então fui perdendo o medo
quase que em doses homeopáticas de mim.
Com olhos já curtos e vorazes
Vi que o mundo me era estranho.

Com um poder de som e fúria, então
Cantei um eu
De um mundo novo e relativo
Feito um pronome
que liga meu eu a outro predicado
e que não seja subordinado. (!)

Gosto da independência crua
Nua, ao léu de um futuro vindo a miúde
No presente brusco de um passado remoto.
Que foi e que é.

Quero viver num movimento livre
de gritos roucos, loucos e agora favoráveis a mim.
Que ecoem na parede de meus ídolos
Feito a força estranha de uma tal Maria
Que abriu meus olhos e disse que eu era capaz.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A coisa

Não te faça de exausto,
esse olhar não mais engana:
tens alma de Fausto.
E ainda carrasco,
perca essa falsa chama
e degole teu próprio asco.

Brigue, grite, clame
Talvez assim, entregue,
sejas menos infame
E, por pena,
alguém te carregue.

Mas que seja breve
e para longe
alguém te leve,
antes que te definas
que te imprimas em mim
e, feito morfina,
me deixes assim:

És, no fim, a coisa.
Aquela que só eu conheço,
o pacote que eu guardo,
a vida que esqueço.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012


Enquanto eu puder te sentir,
mesmo longe,
não me preocuparei mais com o resto,
pois qualquer outro resto que possa existir
não é maior, nem melhor
que o teu lindo jeito de sorrir.

Problema pessoal do caso reto

No divã:
_ Doutor, estou com problemas...
_ Fale sobre eles. Que tipo de problemas?
_ Eu sempre pensei que poderia ser alguém sozinho. Mas você sabe, não dá. Eu tenho uma mania de sempre querer mais, ela sempre me atrapalha, mas eu sinto que preciso dela porque nós somos capazes juntos. Não sei se a vossa senhoria, magnífico e cheio de inteligência está entendendo o que eu quero dizer, mas eles precisam de mim e eu deles.
_ Já pensou em conjugar seus problemas?
_ Sim! Três vezes, estou indo pra quarta meio irregular.
_ Três?
_ Sim. A primeira era muito passional só queria saber de amar, casar, não me fez muito a cabeça, a não ser quando ela queria transar, mas eram poucas as vezes. A segunda era de beber, não acho certo. Só queria comer... A terceira era muito boa em partir meu coração, aí simplesmente a deixei ir. Agora a quarta põe a felicidade nos meus dias, mas não se encaixa no meu padrão de viver.
_ Qual padrão?
_ Ah, não é necessariamente um padrão. Tem dias que acordo meio irregular. Tudo é muito relativo.
_ Interessante...
_ Interessante? É triste! Eu não sei onde me colocar. Quando negam alguma coisa pra mim, sempre me coloco à frente, não sei me segurar. E se me mandam fazer algo, eu procuro uma outra ação, preciso de tratamento, por isso o procurei, talvez o senhor me torne mais ponderado, menos imperativo.
_ Eu entendo. Fale mais sobre isso.
_ Sobre o quê?
_ Sobre você!
_ Mas o problema não sou eu, doutor, eu estou bem, o problema maior está nos outros.
_ Não é o jeito que você lida com os outros?
_ Talvez sim e talvez não. Entende? Eu até concordo que tudo tem uma parcela da minha interpretação, legal. O problema, doutor, é que os outros fazem de um tudo para me irritar, como que o problema pode estar em mim?
_ Já pensou na sua colocação dentro da situação?
_ Quê? Olha, doutor, não estou gostando do rumo da conversa.
_ Eu digo se você vem à frente, fica no meio termo ou na retaguarda quando o sujeito de tudo é você mesmo.
_ Penso que não vim fazer terapia sexual, desculpa.
_ E quem falou de sexo?
_ Ah, não se faça... Todo mundo sabe que o Freud era um maníaco sexual, até mesmo minha mãe.
_ Interessante você falar da sua mãe...
_ Não, nunca me apaixonei pela minha mãe.
_ Tudo bem, desculpa, já vi que você não é um sujeito simples, é daqueles que se deixa oculto.
_ Não me venha com metáforas, comparações ou paradoxos, eu quero paz e você está me deixando nervoso.
_ Não sabia que terapia é mexer com o que já decantou?
_ Estava tudo muito bom enquanto falávamos português.
O sujeito conjugou o verbo sair no pretérito perfeito do indicativo, na terceira pessoa do singular e nunca mais voltou.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Embriagada

Parecia dia de festa, eu estava bonita. Meus olhos, acostumados com a penumbra, viram tantas luzes que, perdidos, ganharam uma órbita elíptica onde um dos focos tinha nome e sobrenome. Aquele. Vi-me inteira, sem medo, apesar de quase cega com tanta luz. Não era uma luz convencional, visível. Era uma luz que me aquecia, fazia de mim alguém que os dias não eram. Não fui de vestido, nem de blusa rosa, fui de mim. E a obliquidade do pronome vem na tentativa de procurar alguma semelhança com o meu lançamento em direção à vida. Lancei-me. Subi, perdi velocidade, ganhei velocidade e caí. Foi bom. Os braços fracos e os peitos cheios pelo vazio de um sutiã amorteceram a queda e valorizaram o que mais tenho de mim: resiliência. Saltei da festa, na festa e para a festa. Festejei, enfim, minhas formas, meus sabores naqueles abraços repletos de pedaços completos daquilo que me forma. Sou a sóbria bêbada de... Pode ser de ti?