segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Z

Da arte
eu levo apenas uma parte:
a que transforma.
A outra metade eu deixo à mostra
para que, de certa forma,
surja o que há de inquieto
pulse o que há de humano
até no inseto que voa sobre o oceano
perfazendo o alfabeto
em zunido e sentido abjeto
pro moço coreano que, discreto,
brinca de cigano
e viaja pelo mundo
fazendo interurbano
sem muito mover,
apenas discando.


quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Rabisco


E da emoção surge o traço.
Aos poucos a dança toma conta do braço
e tudo o que faço é transformar em palavra
aquilo que toca o coração.
porque o abraço que une
que faz o laço entre um e outro sentir
é o máximo do que me permito assistir
de um andar trôpego em busca do chão
de resto, o que resta é existir em vogal
é alimentar em canção
o verbo da transição entre o sim e não.


quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Além


Sou céu
de um azul que desenha
em nuvem
o pensamento
Vale mais a incerteza da forma
a graça do vento.
Essa frieza que tem o tempo
é de assustar a ideia
Meu gosto é por gente que transforma
que reforma o que vem
num ir muito mais além.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Pois

E não é a pressa
aquela força concreta
que leva o gesto, ainda que com cautela,
aos fins da vontade?


sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Contudo, sem nada.

Como era possível ver através do vidro, o menino não se deu ao trabalho de sair do quarto. Em frente a casa de onde vinha o cheiro de pernil assado, no chão, um corpo. Um corpo esquálido, inerte ao passar do tempo e dos temporais, mas vivo. Sim. Para a surpresa do menino que esperava contar aos colegas da morte que lhe batera a porta, o corpo ainda tinha um dono a quem responder estímulos. Só que, sem vontade, ele se mimetizou de pedra, camuflou-se de cenário para fugir de sua figura que era densa e intensamente dele. Desimportava a terra, a água que eventualmente caísse de um céu obtuso. Desimportava o universo que não aquele invisível aos olhos do menino que, ainda da janela, comia pernil. O corpo, filho e veículo de um dono ausente, desejava raízes para poder ficar. Permanecer onde os frutos pudessem existir, onde os hormônios da terra fossem eficazes e desejosos pelo verde vivo que vinha dos olhos. Mas não. Não porque o corpo foi aos poucos tomando a retidão, inesperadamente, e seguindo o rumo, ou melhor, o fluxo que levava ao... que levava ao mar. Sim, ao mar. Não saberia o homem (agora a união do corpo com o ser (i)reflexível) dizer o porquê desta escolha, mas ela surgira de súbito e, no fazer dos passos, tornou-se fato. O olfato sofria com o odor ardente do mar ali presente, mas o corpo todo balbuciava ao vento o quanto era bom estar ali; o quanto aquela terra por entre os dedos calejados do barro batido faziam surgir no sangue mais vontade de circular, mais vontade de buscar o sentido ainda não encontrado. Então ele sentou. Contudo, sem raízes, o homem entendeu que seu papel era conceder ao tempo uma última chance de se mostrar operante, útil, porque aquele tic-tac que ia e vinha não poderia ser em vão, assim como tu. 

domingo, 1 de setembro de 2013

Esperançar

E em mim, aqui,  há mais do que encontrei por aí do que em qualquer outro agora. Parece que fui me construindo de verdades não-minhas, as quais tão bem ditas ou sussurradas foram ganhando um quê de solidez e sentido (ainda que alheio). E não é que me veio à mente o moço que, logo cedo, me pediu uma moeda? Não me senti muito diferente dele porque vivo pedindo esmola, quietinho e lentamente, mas peço. Hoje, por exemplo, peguei dos teus olhos distantes, pálidos pela ausência de um não-eu e rasos pela vontade de não me permitir imergir, um pouco de atrevimento. Atrevi-me a simplesmente permanecer. Parado. Sentindo de longe o vai e vem dos teus pensamentos que me deixam aqui assim, desse jeito, perdido. Esperanço.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sabe?

Sabe o que é?
É que eu vi,
no seu rosto,
um caderno de folhas pautadas.
Era um emaranhado de linhas,
Um entrelaçar tão sedutor de sorrisos
que quis até pegar uma caneta.
Expressei, então, nas tuas linhas,
algo bem rasinho
só pra não perder de vista
esse desenho que te cai tão bem.
Em pautas, coloquei o sentimento.
E faltou verbo
faltou tópico
faltou ar
falt
f

sábado, 24 de agosto de 2013

Relance

Aconteceu, um dia,
de relance, o olhar.
Sem romance,
a resposta morria
a cada meio sorriso
recebido
e, depois
oferecido.
Acabou em meio amigo,
o que pareceu possível
virou você
que, comigo,
poderia transformar o eu
que pena, sou falível.

Olaria

A criança
Ali sentada
notou sozinha,
que chegou a hora de perceber
que de dentro pra fora
só se vê uma escada.
não basta vê-la!
caminhar pelos degraus
é conceber, de súbito
que a construção não está pronta
que os tijolos, mesmo que dispostos,
continuam sendo os mesmos tijolos
com buracos feitos da ausência do barro
na carência de espaço entre o que é e o que já foi
É neles onde se vê o desejo
na falta que compõe o concreto mais absoluto do olhar atravessado que se encontra aí.
nunca aqui, onde se escreve tudo o que poderia ter sido mais pleno, mais vivo. Porque de viver em viver a criança constrói a possibilidade de faltar menos. E como ainda falta? A fábrica de tijolos é um bicho sabido, é um ser construído. Ela vaza! É o vaso que recebe a potencialidade do porvir. Barro não cresce, barro sugere.

Então, acima do barro,
num vaso,
no último degrau
há uma flor
que, de modo geral,
é vermelha,
mas às vezes, quando sobressai a dor,
é cinza
porque a intensidade a ela cansa um bocado
não que seja ranzinza
não que seja dela a culpa
é que ao ter colocado adubo
seja do jeito que for,
pode até ser pecado,
a flor não vê mais ali ao lado a criança dona de seu ardor.
e dorme de modo acoado
no olhar que, talvez um dia, vire um broto de amor.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

(Ç)

Parece até que
numa imensidão de mares
num sem fim de águas
as letras sobrevoaram
por um tempo,
até que imergiram.

E no fundo,
na profundeza oceânica,
a cedilha faltou,
ficou no raso
com medo do escuro e do fracasso.
E o c, sozinho, perdeu o abraço
Entregou-se ao cansaço e caiu
perdeu a cabeça.
perdeu a esperança
perdeu a mudança.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Poesia

Prometi ao além
que, por um dia,
ainda que pela metade,
viveria sem poesia.
Que maldade.
Tentei, juro que me esforcei
Mas quem disse que eu conseguia?
Desisti dessa ideia louca.
O além que me desculpe:
a vida ficou pouca.
A ânsia do meu dia,
a angústia que vira azia,
tudo eu transformo em poesia.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Monocromático

Deixou, ali onde descansavam os óculos, um pouco do mundo que lhe era estranho e foi dormir. Era um hábito, todos os dias, depois de muito ver coisas de dor invisível, ela deixava os óculos num canto de sua cômoda, como se eles precisassem de um tempo só deles para digerir tudo o que haviam visto. Sem proteção. Sem mediação de um não, tudo era entregue àquelas lentes como uma realidade passível de vivência. Mas não! Era dolorido paraqueles olhos enxergar tanta coisa, assim, eles se afundaram no rosto antes simétrico da moça. Nem mais os óculos, quando no rosto e ainda que grossos, escondiam a insatisfação em forma de olheira, mais a direita. Torta, declinada, a moça dormia enquanto a madeira que compunha a cômoda sustentava um apanhado de coisas avessas, que, de tão avessas, não prismavam a luz amarelada do poste marginal à estrada que gritava a pressa alheia.

domingo, 9 de junho de 2013

Espiral

Vértebra ante vértebra
sou a coluna escoliósica
dessa mania de retidão,
proponho uma nova lógica:
de não em não, muda-se a angulação
e a critério do momento,
deixo que o sentido venha da emoção
e, pra quem não lembra,
antes esse era um não.

sábado, 8 de junho de 2013

Explicação

Dizem que o português é burro,
mas quem colocaria,
num só dicionário,
samba e saudade
sem intentar poesia?

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Vácuo

Um dia o mar resolveu dar ré. De súbito, numa manhã avermelhada de outono, o mar foi voltando-se ao centro-mundo num retroativo oceânico, como um retorno à maternidade desconhecida, talvez, por solidão. Porque de praia em praia, na continentalidade, os olhos voltavam-se apenas para o silício transeunte que, ao mesmo tempo em que ligava, separava os seres cansados de si. Abismados com o abismo horizontal criado nas costas e encostas, o povo foi adentrando no ex-mar que seu formava. Descuidados, construíram casas, pensando: mais espaço. Todos que coragem tinham construíram um casebre às  pressas para garantir um lugar no chão-mar. Os produtores bovinos alegravam-se ao saber que os peixes não mais serviriam de alimento e, veja só, davam espaço para a produção de carne. As terras marais (como ficaram conhecidas) passaram a ser terra-de-ninguém quando extrapolaram a continentalidade. Sem regras, a carnificina se fez e quanto mais ela se mostrava, mais o mar recuava para um buraco, agora visível, no umbigo do mundo entre o Pacífico e o Índico. Os noticiários já noticiavam, até porque é isso que fazem. Sem a crítica, sem um quê de criatividade, o que se via na tevê era o caminhar do mar na direção de um buraco temível e temido que oscilava entre o negro e o carmim. Os montes de carcaças dos seres aquáticos ficavam invisíveis com a possibilidade de mais espaço para a ganância. Estradas. Carcaça. Abutres. Odor. Mudou-se o ciclo de água, o clima, mas o homem é bicho camaleônico. O mundo passou a inventar-se por cima da não existência de oceanos. Agora só um, o chamado Remanescente, diminuía a cada dia, como um pulsar convalescente, um grito de socorro. Nos derradeiros dias, o buraco negro-carmim deu lugar a um coração. Aquela víscera pulsátil exposta pouco chamava a atenção dos homens que afoitos construíam  o lugar de dono por cima das fossas, agora, não oceânicas. Numa última diástole, o coração jorrou em sangue o que lhe havia sido entregue em mar. Em casa, um homem solitário, na antiga América agora desvalorizada, cortava lenha para se preparar para o inverno. Ouviu com sua audição limitada o uníssono de um grito de desespero, como um pedido de perdão.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Leia-o, mas o leia aqui.

E olha que estranho:
da noite pro dia
esse olhar castanho
quebrou a minha mania
de ver o mundo em preto e branco.
Claro, não me intrometo,
mas essa cama vazia
esse banco sozinho
só me traz o desejo
de te degustar o beijo
enquanto tua fala
perfaz o caminho
que desfaz a falta
do solo ao ninho,
aquele que construí
pra fazer em carinho
todo esse caminhar
como uma flauta
que ri o sim bemol
onde em mim o sustenido suspira
quadro a quadro
nessa fermata que me formata
e me faz perder o ar.

Cala.

O motivo dessa busca não coerente por um sentido é a manifestação clara do medo. Do luto desse passado, surge o medo já velado como o finado amado que vem no sonho da viúva dar ao dia um quê de solidão. Imagine, como que, ainda hoje, o passado lança ao futuro dúvidas antiquadas de um ente ausente, mas latente, que vibra na voz alheia um não-existir dolorido e doloroso? Parece fácil converter em palavras esse câncer semântico dentro de uma mente confusa, mas não o é. É difícil o parto da palavra alada camuflada em pensares outros. É duro o muro que separa o real do imaginário projetivo e teimoso. Esse temor, outrora tremor literal, apenas acalanta a verdade complexa e não expressa que grita mudamente por um sim.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Tempo

Tem um pouco de ti que tá aqui
um pouco de ti que tá aqui
um pouco de ti que tá aqui
um pouco de ti que tá aqui
um pouco de ti que tá aqui
E esse tempo não passa
Arrastado, ele me atrasa
Ao inverso da prosa que escrevi
pr'aquilo que um dia seria futuro.
Hoje é pretérito e pelo atraso,
se por acaso for o caso,
até converso, mas prefiro
dar à rosa negada
um pouco mais de solidão.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Real

E o estranho mesmo é saber que mesmo sem conhecer o gosto dessa caligrafia muda, tenho vontade de desossá-la em verbo e vocativo surdo através dessa vista murcha que capta apenas o que convém. Ao invés disso, talvez, seja mais conveniente transformar em som audível isso que bate dissonante no peito ausente de um eu qualquer, como uma colher que cospe ao prato a comida fria do dia findo de certeza e luz; até porque, na noite, o gosto ocre das escolhas tortas toma conta da boca e arranha as palavras na laringe fanha que não permite que saia um só sentido avesso ao avesso do real. Realmente. Desminto.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Aurora


Outrora e
agora
a hora é ver
essa aurora
que pinta
o teto de
cor-de-amora
e de tão belo
deixa a gente
assim:
alguém que chora
pela luz dolorosa
do céu quase rosa.
Aquele que transborda
com a lágrima outra
do ser pendurado
na corda solta
entre o lá e o fim
enquanto a volta é
ainda, sim,
um pouco de mim.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Pra quê tanto
se, no final,
é sempre o pranto
que mostra o santo
escondido, vívido, tanso.
Apesar de manso,
esse clamor insosso
pede um pedaço do manto
sagrado ou não
que, no entanto,
ainda arrasta
no chão
[incólume]
o canto
que de tanto pranto
vira oceano.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Sinistra

O reverso desse verso
procura a verdade mentirosa
aquela que,
de tão real
brinca com o que não é.
E o inverso dessa prosa (que não é)
seria a causa outra da moça prosa que dança beijando a rosa apanhada pela outra amorosa moça bendita que dizia ao pé do ouvido o caminho a ser seguido, baixinho, como um suspiro: onde há leveza, há destreza de viver, desculpe, meu bem, sou canhota.

Poema que surge

Não me tire a palavra!
O nó e a dó que colocas
na corda que me enforca
é tão leve que de pouco importa
a força, tudo será consoante à carícia plena
de um sentir ululante que vibra
entre o lá e o si
em mim
aqui.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Esquina

A rua é calada,
mas um dia ela fala,
E dirá:
Quero um novo caminho.
Porque até ela,
tão certa do destino
cansou desse rumo,
quer ser esquina,
cruzar a avenida
e chegar naquele mar
a quem, de longe, era ela a passarela
Quanto ao mar,
digo o seguinte:
A.
Ah, mar, por que?
Por que tão distante?
Por que tão minotauresco?
É porque, assim, brusco
mostra um monstro
quando a gente pensa
que se achou.
Ah, mar,
não reticentize a angústia
Exclame...
Ela não Iariza o alvo,
mas é a Ariadna dessa profundeza louca
dessa profunda loucura
que é o mar.
Ah, mar..!

segunda-feira, 25 de março de 2013

O vento

Ao passo em que o passado passa
É certo que eu prefira outros caminhos
Porque de passo em passo se constrói o rastro.
A gente quer é mudar o sentido do mastro
E deixar que o vento sopre atento
Ao contrário desses olhos
Que, pequenos, perto dessa imensidão
Seguram a mão de alguém
E simplesmente vão.
A direção, quem sabe, seja essa:
O não.

domingo, 17 de março de 2013

Engano

De todo o amor que investia, metade ele convertia em orgulho. Talvez amor não seja a palavra - e o sentimento - mais adequado para a situação. De dentro do seu peito pulsava um querer infame, um desejo gritante. Situada a ação, pode-se dizer que o que ele vivia era uma paixão tórrida e real que lançava ao objeto uma correnteza de libido inebriante. Só que, como era de se esperar de uma paixão tão efusiva, pra não dizer invasiva, o moço desrealizou a vida e perdeu o chão. Andava, portanto, em calços de orgulho que construía através de atitudes que só tinham sentido no seu mundo estranho. Coitado. Afogado em tanto querer, não se agradava de tamanha paixão orgulhosa que saltava de seus olhos, de seus poros, mas como um vírus, ele sentia e, contra sua vontade, crescia como um balão que enche com o fogo, no caso, de paixão. Mas ele não se entregava! Doava-se apenas em metade. A outra ele penhorava em seu orgulho, pra não dizer medo de não-amor.
Não durou mais que duas desilusões esse orgulho apaixonado. Desapaixonou, desiludiu, mas orgulhoso, cuspiu nos olhos calejados de tanta dor que, um dia, viram-no como um futuro bom. Dizendo que fora um engano, como quem liga errado para o número certo e troca de voz pra justificar a falha, o moço deu adeus à projeção que construíra de um outro perfeito, o qual inevitavelmente apenas levava calado o fardo de ser humano.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Dança

Essa dor aguda
que aperta o seio
é manifestação fajuta
desse amor que,
feito fruta,
amadurece no peito.

Não acredito
no samba que canta
só verdade.
Quero o bendito choro
da moça bonita
que dança tranquila
a insanidade.

Porque é aí
nesse amor fajuto
que mora o perigo:
é fogo de brasa mansa
mas queima astuto
onde tem que queimar
e carrega consigo
todo sentido.
Senti dor,
mas um dia a gente cansa.
E dança.

domingo, 10 de março de 2013

Estou rouco.

Não sei se o pouco de louco que tenho é o suficiente para me deixar rouco desse grito dormente que sai do hiato entre a mente e o eu ausente. Às vezes a voz é o bastante, em outras eu quero mais, eu quero gente. Porque enquanto gente eu me sinto só, no vácuo profundo, num nó. Talvez não baste ser gente, é preciso ser forte, mas e quando se é carente? Simplesmente se aceita o fardo, calado. Um pouco cansado, eu diria, um dia se consegue ultrapassar essa vírgula danada que separa, mesmo que ingrata, o verbo do sujeito doente. E já na retidão que concorda na semântica, quem sabe se diminua a rouquidão num grito que acorda pra vida os olhos nus e afoitos por um clarão de certezas.

Fluido e desejoso

Se te ajuda,
Se te consola,
eu cansei.
Essa coisa de sofrer
Não cabe mais nos meus dias
Aliás, nos de ninguém.
Essa esmola recebida
Não paga o olhar
o pecado
a falha
a falta.
Um recado: seja.
Porque de morrer em morrer
A gente flui e deseja.
Esquece aquilo que cala
E dança passos fortes
em pisos fracos,
Que sustentam apenas o querer.

terça-feira, 5 de março de 2013

Malabarizar

No fim, vive-se num ciclo que varia entre a beleza e a destreza de uma vida irregularmente na medida, num mundo compatível a ela e num destino que se camufla de futuro. E por gostar de gente, acabo por extensão gostando de mim também.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

A rosa

Peguei uma rosa
Pequena, mas rosa.
Miúda que só ela
Atrevida como um cravo, perguntou:
de quantos poemas se faz o teu sofrer?
Medida ingrata essa.
Preferi dançar um tango a responder.
Mas não danço!
Eu canso.
E cansado, olhando a rosa
cravei de pétala em pétala uma palavra
porque ora espinho, ora pétala
a palavra descasca.
E mostra. Não!
Rasga.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A saudade não dói, corrói.

Havia uma doença que ninguém conhecia, só aquela pequena menina. Apesar de nova, tinha ciência de sua enfermidade. Que lucidez! Seus sintomas eram quietos, mas fortes. Sempre que sentia saudade, um pedacinho do seu coração evaporava, virava um gás miudinho que se diluía no sangue e saía pelos poros, cheirando a ausência. Com quinze anos, sofrendo caladinha, seu coração tinha o tamanho de um pêssego, depois de perder seu pai num acidente de trabalho. Todos os dias, ela chorava uma lágrima de saudade, o que lhe garantia um pedacinho de coração a menos. Inteligente que era, passou a guardar em potes de maionese o ar que saía dos seus poros na esperança de, um dia, converter tudo em coração mais uma vez. Aos vinte, quando o primeiro namorado disse adeus, ela tinha uma ervilha pulsátil e uma parede de maionese cardíaca. Era tanto sangue, tanta ausência. O vazio que ali se fazia, foi enchendo a agora moça. Um dia, se olhando no espelho, percebeu que havia um buraco no seu peito, entre uma costela ou outra, viu que era hora. Hora de ver o que fazer com tanto gás de saudade, o vazio estava corroendo a sua existência. Mirabolou uma máquina, veja você, que liquefazia a saudade. Tinha em mãos, então, o xarope pra recompor seu coração. Sete vidros de xarope cardioformador ou o repositor de miocárdio, pesquisou nome bonito pra botar. Com o remédio pronto, ela ficou pensando por três dias o que fazer. A cabecinha de alfinete que batia em seu peito dizia pra deixar, pra aceitar que de saudade se fez aquela vida. No espelho, mais uma vez, via nitidamente seu músculo minúsculo que se mostrava no buraco que havia no peito. Constatou, a saudosa moça, que ela era aquela ausência e se sentia saudade é porque amava e o amor, para ela, era soberano. Por fim, acreditou que tanto vazio era o fardo que ela carregava por amar demais e, ainda no espelho, ao lembrar de seu antigo cabelo, viu seu grão de areia explodir em saudade. Os sete vidros de xarope foram distribuídos nos asilos de esquecidos que tomavam um golinho por dia pra sentir o calor de amor que aquela moça ainda retribuída ao mundo, mesmo vazia e finda.

A virgem


Era magra pelo descaso, fora filha desgarrada, esquecida, uma filha que não nasceu para os pais.

Acabou gostando, por algumas semanas, do crescimento mal contido de sua barriga até o ponto que o jeans 42 não serviu mais. O peso da barriga não era mais compensado pelos chutes carinhosos da criança, o amor não era nutrido como deveria ser, mostrava-se desnutrida de afeto, uma raquítica sentimental. E daquele parto normal tão dolorido que só aqueles que ouviram os gritos podem explicar saiu a filha da mãe.
Logo na maternidade a mulher que ainda sentia no próprio corpo as conseqüências do parasitismo gestacional percebeu o ódio pela filha. O sentimentalismo materno havia durado apenas enquanto não se podia ver o rosto. E a súbita vontade de não a ter mais desconstruiu todos os elos feitos ao longo dos oito meses e meio. Magrinha desde que se fez, mostrava-se de mãos levantadas para o alto apelando, mesmo sem saber para quê, por um abraço. A mãe que deveria sair sorridente cheia de leite e amor pela criança que carregaria no colo, saiu sozinha chutando o que via por estar com o peito pesado e o corpo, sua futura fonte de sustento, destruído.
Desde pequena, então, a menina sem nome fora motivo de pena. “Coitadinha, tão magrinha!”, “Pobre menina, não dura uma semana.”. Durou uma vida. Tornou-se Maria das Dores. E pela relatividade do termo vida e a transitoriedade da sua duração, estima-se que uma vida seja muito tempo, uma eternidade para os que esperam a morte, pois a menina, mesmo sem ter noção do que seria o fim, já sentia saudades da época em que ainda não existia. E baseada numa eternidade que acabava todos os dias a menina cresceria cuidada por alguém. A eternidade dura até o ponto da decepção, a partir daí ela se torna tão efêmera quando o piscar de olhos, rarefeita feito fumaça e esvai pelas lembranças que antes unidas, formavam a imagem do passado, presente e futuro personificados. É como cair num poço sem fundo que, de repente, oferece um impacto com o chão. A moça não mais tinha a eternidade ao seu alcance, não era mais dela a escolha de seus atos, ela estava cega de olhos abertos para o mundo.
A incubadora já era pequena demais para o bebê e, fora dela, a criança não tinha mais para onde ir. Das Dores lutava pelo dó de alguém com seus choros noturnos e involuntariamente espantava a condolência das enfermeiras que tentavam dormir no plantão. Certo dia, então, a moça da limpeza cansada de ver reclamações a respeito de uma criança tão pequena resolveu levá-la para casa, onde comem seis, podem comer sete, pensou dentro de suas vestes amareladas pela sujeira de quem limpa. Apesar de bom coração, a moça da limpeza não tinha um coração de mãe. Já havia tentado ser mãe quatro vezes, mas só conseguia ser a mulher que levava comida para casa, que arrumava a cama e que continuava seu árduo ofício de limpar também na sua própria residência. Os filhos, então, tinham casa, comida e roupa lavada, mas eram órfãos de mãe viva, não seria diferente com das Dores que já era experiente na orfandade.
Das Dores, apesar de leve, tornou-se um peso na vida de quem a carregava no colo. Descuidadamente eram trocadas suas fraldas uma vez ao dia, alimentava-se sempre no limiar da necessidade e chorava. Eram lágrimas que não tinham fim, um pranto eterno de quem não vê horizontes. Desde pequena, ela adquirira um ar opaco no seu olhar, não tinha como as outras crianças o brilho de uma vida que começa, era como se a menina já tivesse nascido velha, com a carga de umas cinco vidas mal vividas.
A casa que não fora o hospital não lhe trazia ares de lar. Criada para servir aos irmãos, adotou a vida de ser adotada. Calada a moça tentava se lembrar de um dia que fora feliz, por falta de recordações poupava lágrimas para uma tristeza maior, ou, no caso de ainda restar esperança, uma felicidade incontida. Quem não sabe sorrir acaba procurando alegria nas minúcias do mundo. A batedeira que fazia um barulho engraçado ou o rodo que não limpava direito por ser torto fazia com que a menina, por vezes, mostrasse os dentes para o chão lustrado pela cera que persistia nas suas unhas mal cuidadas.
Em sua bagagem, acumulava olhos tortos e esquivos, que num tom forjado denunciavam um preconceito camuflado, por falta de onde guardar. Era no chão que procurava abrigo, não tinha raiz. Queria tê-las para poder ser fixa, desprezada e enfim, ter paz. Seus olhos não eram sincronizados, sua vida era torta como o rodo que empunha para limpar a casa.
Cansou-se da limpeza, da pena e de todo o resto. Saiu ao mundo como quem procura uma razão para viver e de rua em rua tornou-se mulher. A moça que sabia apenas limpar e limpar sujava a paisagem urbana com a sua vadiagem, como diriam os engravatados que passavam por ela com olhares de nojo. E mesmo que o corpo masculino pedisse para jogá-la na parede e fazê-la gritar, o asco de sua sujeira que cor nenhuma explica impedia os engomados de desejar e a libido virava ânsia.
Ainda na rua, fez-se alguém. Agradada pelo papo do dono do albergue entregou-se na cama ao homem errado como fizera sua mãe, talvez essa tenha sido a herança materna. Alimentada pela esperança de ser como os outros: casar, ter filhos e poder amar e sorrir. Ela disse ao homem que queria unir-se a ele como mandam as leis. Homem nenhum gosta de leis. O albergue fechou, abriu em outra cidade e ela ficou sem ninguém.
Algo se mexia dentro da filha de outrora que numa metamorfose multifatorial transformou-se em mãe. Não era raiva, ela não sabia o que era. A barriga crescida chutava, pulava e, sem saber o que fazer, a mãe do acaso apenas fazia aberturas laterais na sua única camiseta, com estampa do Mickey. Dar espaço para a barriga crescer não seria o suficiente. Em algum momento aquela barriga viraria uma vida... Mais uma vida sem saber o que é sorrir? Depois de um dia bebendo vodka barata, terminada a garrafa ela se mostrou feliz. E sorrindo, gargalhando na verdade, tomou a decisão de sua vida: por fim a sua eterna desilusão de viver. Não tinha o direito de dar a alguém o destino que lhe fora imposto e com agulhas de tricô encontradas no lixo de alguém fez carinho em seu feto ali, mesmo na rua.
Escorrendo pelas suas pernas a cor do amor a fez feliz. O vermelho que via nas vitrinas de dia das mães marcava sua pele tatuada, deitou-se para esperar o fim, enfim. De mãos para cima, agora sabendo para quem pedir o abraço, como na maternidade, entregou-se a um novo mundo. Em seus braços ensangüentados, trapos sujos imitavam um bebê. Ascendeu, então, para onde quer que seja, a virgem de felicidade com o salvador da tristeza.
Não caiu ao mundo feito anjo, flor ou árvore, caíra feito gente. Não dessa gente que vive do tempo, marca os passos e adora solidão - mesmo quando está ao redor de outros. Veio como gente que cai na contramão atrapalhando o tráfego, também não como diz Buarque, pois caso fosse MPB, samba ou chorinho, cairia no gosto popular. Não fora melódica nem possuidora de versos agradáveis, tinha palavras secas e inteligíveis e, à prima vista, balbuciava um dialeto contrário ao usual, proporcional ao seu tornado de sentimentos, pois às vezes a linguagem é o reflexo da condição. Quem sabe o problema tenha sido esse, ela nunca entendeu a língua daqueles que disseram pra ela o que é viver, afinal, como diz Sartre, somos aquilo que os outros fazem de nós.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O sorriso

Midas tinha um irmão. Um irmão que, como ele, também tinha um dom. Só que ao contrário de Midas, seu irmão não transformava tudo o que tocava em ouro e, por isso, foi esquecido. O toque de Silas não agradava muito, era áspero, frio, rude, transformava qualquer superfície num emaranhado de acúleos, como um casulo estéril de dor em potencial. Ninguém ousava tocar na produção tenebrosa e involuntária de Silas, o que o obrigava a usar luvas espessas, impedindo-lhe o prazer do toque. Cansado, o coitado, isolou-se num casa longe do reino de seu irmão e, ainda que sucessor do poder, preferiu viver no anonimato de seu dom às avessas. Em sua casa, sozinho, Silas parou de usar as luvas e aos poucos o conforto que lhe foi garantido no alto da montanha naquela construção de madeira foi ficando espinhoso, mas dele. Mesmo que ele se machucasse ao dormir em sua cama, ele gostava de lá. Mesmo que sua gengiva estivesse machucada pela aspereza da escova já transformada pelo seu poder ingrato, ele gostava de lá. Construiu viveres diferentes daqueles que ele tinha ao lado do irmão, deu vida a sua infelicidade fazendo com que ela se transformasse em compreensão e, porque não, felicidade. Silas passou a gostar dos seus acúleos porque eles eram parte dele. Morreu. 
Ninguém nunca encontrou o corpo de Silas, talvez nem encontrem. Surpreendente é saber que um dia entraram em sua casa isolada facilmente confundida com um roseiral sem rosas. Uma camponesa solitária que procurava um meio de sobreviver achou interessantíssima aquela construção arbórea tão incomum. Intrigada com a planta nova que havia encontrado, com suas mãos calejadas, foi abrindo cada emaranhado espinhoso sem sentir dor. E, ali, como em uma ostra, mas diferente, apresentavam-se pequenos diamantes azulados donos de um brilho que parecia sorrir. Feliz, a camponesa se mudou para perto de sua mina. Ficou rica com aquela nova espécie de diamante e com alguns deles construiu um sorriso na parede de seu quarto. Aquele brilho que sorria a fazia lembrar de alguém que ela nunca conhecera. Apaixonada, fez um memorial àquele que nunca vira, mas certa da sua existência, com as seguintes palavras: Ainda que dolorido, mesmo que distante. Ainda que solitário, mesmo que triste. O brilho azulado cravou em meu coração a força pra viver.
Silas certamente sorriria, talvez pela primeira vez.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Queda

Cavei, só pra te ver cair.
De grito, abraço e fúria construí tua ausência.
Mas ela ainda está aqui.
Ela é danada.
É bem amada.
Talvez a queda, em si,
Seja a moeda
Que troca, que muda
Que te fez de outro
Que te pintou de ouro
Que contrasta com meu eu de cobre
que ainda cobre o meu sentir
que me fazia em ti,
não para ti.
Então, não caí.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O colo

Ora, por que justo agora
decidi gostar assim,
desse jeito tão alheio a mim?
Porque só agora
eu vi que não se gosta,
se aposta.

Não sou bom em sorte.
Afinal, em que?


quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A(r)me-se.

Tudo o que eu tinha e queria era aquela pequena e frágil espada de madeira. Arma de ataque, fazia para mim a função de escudo e me protegia de tudo aquilo o que me angustiava. Quando eu a empunhava, todo o mundo se descoloria num degradê de coragem envergonhadinha, com golpes sorrateiros e certos. Eram golpes cuidadosos, não machucavam, dilaceravam. Sim. Cortavam a delgada parte de mim que me separava da realidade e aos poucos eu era transportado para o não-aqui. Além, então, eu me refazia todinho, eu ganhava novos olhos com os quais eu enfeitava todo o jardim com o (i)material que me era (in)tangível. Fui o guerreiro irreal do mundo. Meu. Hoje não há mais espada de madeira, há talvez, de uma outra natureza algo não tão forte, nem tão eficaz, mas que permite em palavras desrealizar a dor, personificar a vida e minimizar os grilhões do ser. 
Amar é um verbo que não transita ao prazer de quem ama.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Escrever

O que importa é brincar.
É fazer da palavra o rastro,
da frase o caminho.
O sentido a gente vai achando
aos pouquinhos,
como as pedrinhas que ficam
e constroem um castelinho.

Desodiar

Pediram pra falar do ódio
meu amigo, pra quê?
ele é tão pilantrinha.
não merece palavra rimada
não merece tempo sentido
que se lembre do que vale a pena:
do vale velado dos teus vícios
já que sois adicto convicto do amar
não te reabilite, convide.
entregue a esse relevo
revele.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Quantas colheres?

Não me permita viver
essa ausência crua
Fique aqui, meu bem,
faça da minha casa a tua.

Pra te ver ficar,
Te costuraria no sofá
Só pra te ter em cafuné
faria um café com chocolá
tranquilo
Só pra te ver adoçar
e girar. e girar. e girar.

e enquanto a colher dança
eu desenho teu rosto
eu canto teu gosto
eu simplesmente te vejo
és o doce dos dias
algo que faz em sorriso
me desmancha em desejo

Quando chamo
é mais leve,
sei que não amo,
mas é vida.
A vida é pluma
é assim por e para ti
Por favor, não suma.

sábado, 19 de janeiro de 2013

é | mas

Entre o é e o mas existe uma barreira. Um muro de diversos tamanhos: grande, pequeno, insignificante, nada. Quem afirma, quando ressabiado, pode confiar na adversativa a certeza da aceitação, porque, afinal, o que se procura é esse sim do outro, esse quê de você-está-certo em todo e qualquer olhar. Aí o muro é pequeninho, é minúsculo é a minúcia que não se percebe, a opinião fantasiada de é-isso-o-que-você-quer-ouvir. O que se quer ouvir é o conforto do pode-ser. Esse muro é um dos poucos que faz sentido (porque dá mais sentido) e que eu rezo pra que cresça. Que ganhe força e tamanho pra que o é fique tão independente desse mas a ponto de gritar e calar o lado que pende. O lado que move para ser movido. O lado fraco, vencido. 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

E pesa.

Quando eu era ainda criança, morria de medo de perder o carrinho de compras dentro do mercado. Era um medo bobo de que, ao deixar o carrinho longe, alguém o furtaria, levando consigo todo o cuidado da escolha e o tempo de procura. Para mim, aquele medo fazia todo sentido, já que tudo o que estava dentro do carrinho era meu, absoluta e unicamente meu. Fadados a essa posse indevida, os produtos eram constantemente mirados pelo meu olhar criterioso. Uma possessividade tão minha que eu me permitia sentir; aquelas coisas todas empilhadas no carrinho tinham muito de mim, um consumismo embasado na construção de uma personalidade através da metonímia da vida. Pouco me importava o que tinha no carrinho, no fim. Poderia ser sabão em pó. Poderia ser esponja de louça. Poderia ser couve! Tudo tinha um pedacinho de mim.
Hoje, no mercado, vi um carrinho cheio de produtos, mas sozinho. Sozinho. Lembrei, na hora, de como eu era tolo ao temer o furto do carrinho. Imagine: quis levar aquele carrinho comigo. Porque eu percebi que talvez eu não consiga mais construir um que seja tão eu. Porque talvez eu não me perceba mais como outrora. Vai ver eu cresci e fui deixando de carrinho em carrinho um pedacinho de mim até o ponto de não conseguir mais me compor. Hoje eu uso cestinhas, esse é o peso que a vida adulta me fez carregar. 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Int(f)erno

Não se confundiria mais: esse era o destino. No olhar que não demonstrava mais muito sentir, ela caminhava no sentido qualquer que levava ao limbo do seu ser. Descendo aquela ladeira meio inconformada com seu estado, ela batia os sapatos como um pedido para si mesma "não faça mais isso, não faça mais isso". Ela era teimosa, a moça, fazia. Era sempre assim. Mesmo que repleta de falsas promessas de regresso ao passado exímio, ela queria mesmo era o avanço, mas tímida, se pegava pedindo ao Deus que lhe ouvia em mente um futuro ordinariamente correto. Sem grandes tropeços, ela chegou ao fim da descida cansada, olhou para cima e deixou cair uma única lágrima. Sozinha, aquela gota percorreu o rosto marcado pelo tempo, mesmo que curto, mas marcado. Desenhou nos pelos finos e loiros que cobriam e davam a sua pele um toque aveludado curvas que lembravam os caminhos pelos quais ela jamais passaria. Esquivos, independentes, certeiros, firmes. Aquele desfiladeiro era o caminho do seu sempre e para sempre assim seria e no destino a moça acreditava. Ainda com os sapatos na mão ela sentou no chão sujo de sábado, olhou para o céu de domingo e não amanheceu. Permaneceu noturna, embora o céu estivesse azul. Contou as estrelas inexistentes do seu céu repleto de eus dissonantes, mas brilhantes. Seu destino era não ser, conformar-se à mácula calvinista da predisposição ao inferno que a habitava.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Nada vasto

Talvez o mundo seja plano
E brinque de esfera, como um cigano.
Que muda, pula, que funda e afunda
Todo esse assentamento de emoção.
Talvez o mundo seja raso
E brinque de oceano,
Que pacifica, atlantica e indica
A direção da desrazão.
O mundo é a distorção,
É manso, o mundo é tanso.
Porque se eu fosse o mundo
Eu seria fundo,
Escuro
Eu seria mudo,
Já que surdo é o povo
Mas o mundo é mundo
E não eu
Eu sou um ovo: afundo.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013


Meu coração tem preço de banana
mas não vendo, 
sou difícil.
e essa minha exigência
só me leva à promoção:
qualquer sorriso bobo,
sem vontade,
sem lembrança
encaracolado de ideia,
tá me levando.
Só que não querem levar
Fico na feira.
Segunda
Terça
Quarta
Quinta
Sexta
Até quem não é feira me prende.
Sábado
Domingo.
Não me mexo, fico, 
permaneço no que já foi.
E eu sozinho com o coração na mão sem saber o que fazer com tanto tum-tum sem tu.
Apodreço. 

Sentido


Cofesso que senti preguiça. Uma preguiça extrema, um nojo. Aí vieram me dizer que era pecado capital, acabei me comovendo, pecar nunca foi uma boa coisa, não é? Só que pensar em capital me lembrou do livro do Marx que nunca li na íntegra, mas sempre cito. Isso acabou fazendo com que eu perceba o quão superficial as coisas têm sido: como posso falar do que o cara disse há uns bons anos se nem ao menos li uma obra dele por completo. E pior: como eu consigo fazer das palavras dele as minhas? Lembrando de Saramago, ele [eu] se [me] sentia no direito de ter o rei no estômago só porque morava na capital. Parafraseei, claro (e disse isso só porque gosto dessa palavra). Não estou na capital e, no fim, essa citação nem casou com o contexto. Nem citação se casa nessa história. É preguiça de pensar no sentido. Sem ti. Senti.
Emudeço quando penso,
Ainda penso.
Será que só eu?
Ao acordar eu ainda era,
Mas só.
O que importa não é o ato,
Talvez seja o fato de estar ali:
Juntos,
Mudos,
Crus, sem o fardo que nos apronta
Nos monta ao mundo
Transforma o que poderia
Naquilo que não será.
Mais?