sábado, 28 de março de 2009

Ele sorriu. Ela também. Era bem ali que queriam estar apesar do barulho estridente da tempestade recém começada e o frio de início de julho. As bochechas rubras da moça dos cabelos encaracolados denunciavam a situação de ambos: loucamente apaixonados, um pelo outro. Apesar da certeza dos sentimentos, este amor enquadrava-se em uma definição de pseudoplatonismo, não muito usada, nem muito praticada nos dias atuais. Pelo gostinho de mistério, tanto ele quanto ela, não queriam deixar este estado, que para ambos, era quase nirvana budista. Eles se amavam e isto bastava. Não precisavam de mensagens instantâneas no celular, de depoimentos gigantescos para inglês ver, nem ao menos adicionados eram na lista de amigos do tão famoso MSN. Era apenas ali, no ônibus, com catraca, passe, cobrador e calor.
A chuva era forte, mas não mais forte que o amor. Amor, segundo algumas definições, pode ser o fogo de ardência invisível, ferida dormente, e outros milhões de sonetos auto-explicativos da palavra amor. Para ele, não havia Camões, Bilac, Drummond ou Cecília, o amor era ela e para ela, o amor era ele. O cobrador se perguntava o porquê, mas não havia explicação, um explicava a condição do outro e o motorista, alheio a tudo, dirigia a sua grande Mercedes ouvindo Reginaldo Rossi no seu walk-man. Ali, um olhando para o outro seguiam uma viagem pinga-pinga, “adoro quando ele levanta os óculos”, “Hoje ela está com um perfume novo”.
Os sentimentos são como fumaça: sabe-se da existência deles, mas não se pode tocá-los e quando se tenta tudo esvai por entre os dedos. O guarda-chuva estava molhado, ele também, quando ele desceu, a moça sentiu gotinhas de amor em seu rosto, parecia ter tocado cada centímetro de seu corpo.
Chegou a terça e ele não, a quarta também sozinha não trouxe recados, a quinta e a sexta preferiram não citar o rapaz. Sozinha, sentada, a moça não sabia como seria passar o sábado e o domingo sem a imagem do rapaz com seu casaco de sexta-feira, preferiu imaginar que algum parente próximo havia morrido e que ele estaria de licença. “Coitado...”, pensou. Duas semanas se passaram e a licença não acabava. “Acho que entrou de férias”. Passado um mês, ela foi com a melhor roupa, mas mais uma vez a terça-feira não trouxe seu amor. Todos os dias úteis, lá estava ela, no mesmo banco, às vezes de verde, às vezes de vermelho. O cobrador havia percebido a falta, tentou ressarcir, passara a usar Gel nos cabelos e um perfume que ele havia comprado na lojinha de R$ 1,99 da sua irmã. “Bom dia, moça! Seu amigo adoeceu?”, “Que amigo?” (fazer-se de tolo é sempre uma boa saída). Ela não gostava de dentes de ouro, o cobrador tinha três. Nada adiantou.
A idade chegou e junto com ela os cabelos brancos e a dispensa do serviço. Sem filhos ou parentes próximos, passava as tardes dentro do ônibus circular, esperando o que, ou quem, não voltaria mais. Seus dias eram sempre cinzas e toda aquela história de amor indolor ela preferia esquecer, amassar e jogar no lixo com os tíquetes de ônibus, sempre usados.




Ps.: Obrigado pela ideia do final, tá?

quarta-feira, 25 de março de 2009

Causos de um desafortunado

Hoje foi um dia em que nada deu certo, quebrei a escova de dente, machuquei a gengiva com o fio dental, acabou o papel higiênico bem na minha vez, o pão virou carvão na torradeira, perdi o ônibus, não tinha dinheiro para táxi, o pneu da bicicleta estava furado, cheguei atrasado e fui demitido. Já estava por um fio na empresa mesmo, mas isto não significa que não queria tê-lo agora, o aluguel vence amanhã e minha conta bancária está sempre com vergonha, vermelha, encabulada com a quantidade de dívidas.
Pelo menos descansei, trabalhar quatro horas diárias é muito exaustivo: gente chata, café ruim e telefone insuportável. Quatro horas? Muito tempo! Deveria receber um prêmio por ter agüentado seis meses. “Lá vai o caranguejo dos empregos”, pensam meus inimigos, mal sabem eles que é tudo proposital, só quero experiência em várias profissões.
Quero enganar a quem? Entrei numa pindaíba sem fim! Será que é vergonhoso voltar para casa da mãe aos 35? Ao menos o cachorro quente dela é melhor que este do Zé Dogão, tirando a berinjela recheada com vinagrete e choio, mamãe cozinha bem.
Melhor esperar aquele concurso público... Seis horas de trabalho diário e só o quádruplo do meu antigo salário, não, mais fácil esperar, ainda mais no Brasil, sempre tem um bom emprego, impossível não ter um pra mim, logo eu, tão trabalhador e responsável.
Vou voltar para casa e aproveitar meu último dia de aluguel. Claro que vou a pé, gastei o dinheiro do ônibus com o Zé dogão. A ração do Napoleão acabou, vai comer o pão de ontem, melhor, da semana passada, o de ontem assado com óleo usado fica uma maravilha. Sorte eu tenho, apesar de hoje ter sido um dia de cão, vou ligar para a minha melhor amiga, a moça da operadora de celular, sempre informa meus créditos, mesmo que inexistentes. Isso que é amiga de verdade. Até mesmo em dias tempestuosos, sou bem atendido com um “Bom dia, seja bem vindo a nossa central de atendimentos”, ao menos lá sou bem vindo.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Como pode um guarda guardar todo o sol, ou a chuva, ou a roupa? Complicado isso. Muitas pessoas dizem que os sonhos não significam absolutamente nada, são reflexos de uma mente que até descansando precisa estar ativa. Pensa bem, se sonhos não significassem nada não teriam esse nome, certo? Seria mais fácil denominá-los de filmes noturnos ou qualquer coisa que o valha. Ah, o português e essa multiplicidade de sentidos para uma única palavra. Gosto de acreditar no sentido figurado das coisas, o literal é limitante, excludente, não deixa aquele gostinho de subjetividade. E se "toda rosa é rosa porque assim ela é chamada" temos o poder de construir, mas não essas construções faraônicas de presidentes loucos por uma reeleiçao, construir conceitos, feitos, ditos. Quem disse que caminhar infindáveis quilômetros traz cura ao enfermo? Quem disse que quando a lua tem um círculo de luz abraçando seus raios é sinal de chuva? Quem disse que ler isso faz bem pra pele? Quem disse que babosa é boa para acne? Quem disse que liso é certo? Quem disse que homem é homem? Quem disse que mulher é mulher? Quem disse que o normal é normal? Quem disse que os lactobacilos são vivos? Quem disse que a TPM não tem cura? Quem disse? Viva a figuralidade, a deformidade das definições, oras bolas.
A destruição exalava o cheiro da morte e não leve, leitor, este fato no sentido figurado. O podre odor que apanhava as narinas de surpresa era dos cadáveres que em vida, pagaram pela ambição alheia. Em meio a tudo aquilo, a menina olhava para a frigidez do rosto de sua mãe, sem roupas, jogada entre outros corpos, com olhos de vidro, opacos e distantes. Por mais que a menina quisesse chorar, não conseguia. Queria gritar, ir com sua mãe para onde quer que aqueles olhos estivessem olhando, a raiva não a deixava chorar. As vestes já surradas os sapatos gastos, o perfume perdido em olfatos desconhecidos, essa não era a festa que ela esperava. "Filha, vou colocar em você o melhor vestido, o melhor perfume, o melhor laço, hoje é um dia muito importante!" É, de fato foi, mas não no sentido em que a mãe esperava. A menina sozinha fazia contraste com a multidão inerte na sua frente, apesar de viva, não se mexia, não queria, não fazia questão de demosntrar vivacidade, mas afinal, mostrar a quem? Sua mãe sempre dizia que era preciso estar linda para os outros, falar bem para os outros, tocar bem piano para os outros... Agora, a menina só queria fazer tudo para uma única pessoa, cujos aplausos nunca serão ouvidos. Ao longe via-se a imagem da batina, flamejando como bandeira, um estandarte de retidão. "O que viera fazer aqui? Admirar a desgraça, jogar umas gotinhas com um galho de alecrim e dizer que tudo e todos estão perdoados e salvos?" Engraçado. A situação impõe uma maturidade muitas vezes impensada, a menina que outrora só brincava de boneca e nutria predicados para um futuro, muito futuro, casamento, tomava vezes de mulher e como heroína excomungou o padre, a fé, a água benta, a vida. "Maldita seja essa água, essa batina, nada trará minha mãe, nem o seu perdão ou a falta dele!" Aos berros, a criança correu para longe. Não queria estar longe da mãe, o contrário disso. A partir daquele dia, sabia que sua mãe estaria em qualquer lugar, onde ela estivesse, onde ela quisesse estar. E se a Guerra quebra laços, perde amores, causa dores o pós guerra tem com sinônimo a carência, a necessidade de esperanças. Não sei se foi a flor em meio aos destroços tranzendo a lembrança da corrente primavera ou aquele cachorro que acompanhava o cheiro de perfume gasto desde a última esquina, a menina, agora quase mulher por obrigação, abraçou a vida solitária qurendo ser... não ser igual a mãe, nem aos quais têm estampado no rosto o motivo da Guerra. Percebeu que o mundo não precisa de cópias, precisa de revoltas de pensamento, de idéias e princípios, pois os antigos, para ela, ficaram dentro das covas daqueles que ainda acreditavam na melhora vinda dos céus.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Falta um pouco de ética para a ética humana ser totalmente ética. Não que esse substantivo, que pode ser adjetivado, seja extremamente importante para as relações interpessoais, tome nota, não é relevante para um relacionamento harmonioso e saudável, qualquer briga pode e é considerada um relacionamento, conflituoso, mas um relacionamento. Não gosto de falar sobre relacionamentos, apesar de o efeito deles me interessar, o que causam, porque existem, até onde vão... Relacionar-se é aprender a esquecer a solidão e se ser solitário já passou a ser um objetivo de vida, ah, relacione-se consigo mesmo, dê bom dia para seu dedão do pé, ofereça café para o calcanhar, interesse-se por cada póro, cada pêlo, eles têm uma história a contar. E se depois de todo essa volta ao redor do mundo que se chama umbigo ainda restar a vontade de ficar só... Procure ajuda. Precisar ser ajudado não é algo humilhante, muito pelo contrário é totalmente...ético. Ético no sentido da palavra, para um melhor convívio em sociedade, trate seu lado fraco, nutra suas fraquezas para que elas se tornem fortalezas e nesse momento não tenha vergonha de ser egoísta, por trás de todo altruísmo sempre tem gotas de egocentrismo, mas na medida certa. Quanto é a medida certa? Quanto ou quando? Ah, qualquer coisa basta. O pior de tudo, é que tudo acaba com um ponto de intorrogação.