segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Fosse a vida mais fácil, aposto que seria inútil. Tudo o que é fácil beira o inútil aos olhos dos outros. Somos feitos dos outros, não é? Cruzadinha que é fácil é inútil. Problema de matemática que é fácil é inútil. E o amor fácil? Se for, é inútil. Sem muito o que fazer, dentro de tanta facilidade, o mundo cairia no seu abismo existencial, viveria refletindo no futuro e nada mais. Fosse a vida mais fácil, talvez, ela em si não teria muita utilidade, seria a palavra tosca que serve de cerne para a cruzadinha. Digamos que fosse mandioca a palavra. Algo tosco. No m eu colocaria mão, há coisa mais fácil que mão? Algo tão dado, tão mão. No a eu colocaria agora, sem muito o que falar na descrição: é hoje, não ontem. N seria de ninguém, porque é fácil ser ninguém, não é preciso usar máscara alguma, adoro ninguém. Obviamente o d seria de dia, até porque rima com esse pretérito imperfeito entranhado. O i que carrega consigo esse pingo pra lá e pra cá pingaria na igreja pra ver se a facilidade é assim tão fiel. Acho que o o tem cara de ogro porque deve ser fácil ser um ogro; não há preocupações com beleza etiqueta e educação. Nota mental: ser um ogro na próxima vida. O c foi difícil escolher, mas eu colocaria uma casa, toda criança desenha uma casa, deve ser fácil ser uma casa, então. No derradeiro a, que fecha com chave de cobre esse acróstico abobado, eu coloco um amanhã, pra combinar com o agora de outrora - confusão temporal pra dar um ar de dificuldade ao que é simples por natureza: o tempo. Sei lá, ele simplesmente anda, não tem como errar. Fosse eu um psicanalista faria dessa associação livre alguma coisa, mas tenho preguiça. A vida toda, nessa mandioca toda - que se fala mandjoca, então eu colocaria facilmente um j de juventude - a facilidade transborda gotas de porvir. Seria fácil se assim não fosse.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O missionário

Estou de nome aquilo que não se versa.
Sou de mente algo que não se expressa,
que mescla ser e estar ao parecer.
Aquilo que vai e vem, que atravessa
toda essa pressa do não ninguém.

Até que se acha alguém,
mas o louco de fome de razão caiu.
Esfomeado, o coitado, não sentiu aquele não.
Ninguém lhe disse o motivo, no entanto,
ele tentou uma explicação: sumiu?
Não, ruiu. Riu.

Riu, no fim, de si mesmo.
Esse tropeço a esmo, não era o começo
Era a continuação da sua clara missão:
Trazer a alguém a negação do eu:
o não ninguém.
que dói.
que mói, corrói.
que não.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Da dor

Seca pelo tempo, a gota de sangue solidária ao chão doentiamente limpo maculou o futuro daquela moça. A parturiente de primeira viagem, horas antes, pedira ao superior dos pensamentos um destino justo a sua prole interrompida. Pesada pela falha que a desumanizava naquele momento, que a distorcia da imagem outrora criada pelo catolicismo genético, ela acariciou o fruto do seu não-amor com as agulhas de crochê, as quais fizeram o primeiro par de sapatos ao longo dos sete meses gestados. Livres. Ambos, mãe e filho, livres. De qual liberdade se fala? A que vive ou a que impede de viver o fardo de uma vida forçada? No ato, com medo, a moça pôs a força que não tivera de dizer não, a vontade que ocultou de ser a mãe, mas do amanhã. No canto, limpou a sujeira feita com trapos de roupa de um enxoval ganhado. Cambaleou alguns metros, sentou, chorou e morreu. Ali, onde seus olhos opacos miravam um futuro que seria, a moça morreu em partes. E se se morre um pouco por dia, naquele, ela morrera alguns poucos. Levantou, seguiu e foi. Ao passar pela última gota, aquela que não havia sido tirada, resolveu deixar como lembrança, como expressão única da sua mais dolorida verdade. Suas vísceras remontavam a nova vida, menos vivida, mas livre do nome, da fome e do resto. Livre da coisa. Livre de si.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Fim da inércia

Para toda falsa poesia

Como uma pedra eu fiquei parado, jogado. Mas ergui a força potencial que me compunha. Caminhei por alguns metros e joguei o mundo para trás, o fundo do meu sonho estava livre daquela massa insolente que decantou: não há mais sentido, não há mais motivo. Há o que é opaco, o que mente e de mente em mente vira verdade. Aquilo que se repete consolida, legitima a força que move o moinho da chama que te comove. O que me fez coeterno, hoje, apenas me eterniza.


sábado, 24 de novembro de 2012

Da soltura do pensamento

Ciúme:
Nunca vi, nem comi, só ouço falar. Dizem que é uma ausência oca que arde no peito e irradia pra mente. Um vazio que dá sentido à mente insana por motivos. Ciúme é essa coisa monstra que faz  em dor o que não era pra ser sentido. Ciúme é sentir o que pode ser, lamentar o que não é, chorar o que já foi. É obrigar, xingar, soltar, clamar, ver, fazer acontecer e desacontecer o que, às vezes, não é. Ciúme no fundo, é aquilo que não é, não chega a ser desamor, pode ser um poramor, um além-amor . Não. É um meu-amor(sem o teu amor). Pode ser ainda que ciúme seja uma parte constituinte do sangue que passa no coração. Uma parte viral que minimiza o real e transforma em migalhas o que outrora já alimentou. Ainda bem que nunca senti.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O que?

O simbólico sentido do sim                                      
seria simples se sorrisse.
Sou sozinho só sentindo                                                             Se for, seja.
sorrindo, sendo simples.

Muda muito minha muda missão
A mim não minto: migrei.
Menti meu medo, mas marchei                                                 Mesmo que mudo.
Manquei, marquei na mão o não                                          
e mostrei.

Talvez tenha temido
E tímido, tremi.
Talvez tenha tentado
E tonto, tentei tratar a tua ternura.                                           Tímido.
A ti, o tempo.
A mim, o texto.

Que caia a casa,
a carta, a cor e a coisa.
Cansei de correr como quando caí:                                            Queira.
Casei meu caso ao acaso.

Se for, seja.
Mesmo que mudo.
Tímido.
Queira.


terça-feira, 20 de novembro de 2012

Anticorpo

Ante o corpo se fez o poço
Tão fundo.
O moço, com medo, caiu.
No fundo.
Perdeu a força, correu.
No chão, gritou:
É meu!
É de ninguém,
é do mundo.
É?

domingo, 18 de novembro de 2012


Andaria pelo mundo procurando
e poderia ser o sol, a chuva, o que for
mas não encontraria
é mais fácil ser achado.
Quem vê de longe sabe: moro em outro mundo.
Amarga a eternidade pensar demais.
A eternidade cansa.
Cansei.


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A causa da palavra


Escrever é transferir a angústia. É sublimar a falta. É preencher o vazio. Escrever, assim, sem razão, é modificar o destino e dar aos dias um quê de solução, a qual parece longe, distante das horas preguiçosas de um dia chuvoso. É misturar palavras que se procuram num lugar sei lá qual, até que se fundem e fundam a existência daquilo que só é porque ainda não foi e se foi é porque ficou. A palavra é a fuga que tange o medo, a libertação e a dor, a palavra é tronco que sustenta o ser. Escrever é transformar em forma o que transforma e corrói e alma. Escrever é. 

Sobre aquela que sabe


Para Geninha

Então fui perdendo o medo
quase que em doses homeopáticas de mim.
Com olhos já curtos e vorazes
Vi que o mundo me era estranho.

Com um poder de som e fúria, então
Cantei um eu
De um mundo novo e relativo
Feito um pronome
que liga meu eu a outro predicado
e que não seja subordinado. (!)

Gosto da independência crua
Nua, ao léu de um futuro vindo a miúde
No presente brusco de um passado remoto.
Que foi e que é.

Quero viver num movimento livre
de gritos roucos, loucos e agora favoráveis a mim.
Que ecoem na parede de meus ídolos
Feito a força estranha de uma tal Maria
Que abriu meus olhos e disse que eu era capaz.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A coisa

Não te faça de exausto,
esse olhar não mais engana:
tens alma de Fausto.
E ainda carrasco,
perca essa falsa chama
e degole teu próprio asco.

Brigue, grite, clame
Talvez assim, entregue,
sejas menos infame
E, por pena,
alguém te carregue.

Mas que seja breve
e para longe
alguém te leve,
antes que te definas
que te imprimas em mim
e, feito morfina,
me deixes assim:

És, no fim, a coisa.
Aquela que só eu conheço,
o pacote que eu guardo,
a vida que esqueço.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012


Enquanto eu puder te sentir,
mesmo longe,
não me preocuparei mais com o resto,
pois qualquer outro resto que possa existir
não é maior, nem melhor
que o teu lindo jeito de sorrir.

Problema pessoal do caso reto

No divã:
_ Doutor, estou com problemas...
_ Fale sobre eles. Que tipo de problemas?
_ Eu sempre pensei que poderia ser alguém sozinho. Mas você sabe, não dá. Eu tenho uma mania de sempre querer mais, ela sempre me atrapalha, mas eu sinto que preciso dela porque nós somos capazes juntos. Não sei se a vossa senhoria, magnífico e cheio de inteligência está entendendo o que eu quero dizer, mas eles precisam de mim e eu deles.
_ Já pensou em conjugar seus problemas?
_ Sim! Três vezes, estou indo pra quarta meio irregular.
_ Três?
_ Sim. A primeira era muito passional só queria saber de amar, casar, não me fez muito a cabeça, a não ser quando ela queria transar, mas eram poucas as vezes. A segunda era de beber, não acho certo. Só queria comer... A terceira era muito boa em partir meu coração, aí simplesmente a deixei ir. Agora a quarta põe a felicidade nos meus dias, mas não se encaixa no meu padrão de viver.
_ Qual padrão?
_ Ah, não é necessariamente um padrão. Tem dias que acordo meio irregular. Tudo é muito relativo.
_ Interessante...
_ Interessante? É triste! Eu não sei onde me colocar. Quando negam alguma coisa pra mim, sempre me coloco à frente, não sei me segurar. E se me mandam fazer algo, eu procuro uma outra ação, preciso de tratamento, por isso o procurei, talvez o senhor me torne mais ponderado, menos imperativo.
_ Eu entendo. Fale mais sobre isso.
_ Sobre o quê?
_ Sobre você!
_ Mas o problema não sou eu, doutor, eu estou bem, o problema maior está nos outros.
_ Não é o jeito que você lida com os outros?
_ Talvez sim e talvez não. Entende? Eu até concordo que tudo tem uma parcela da minha interpretação, legal. O problema, doutor, é que os outros fazem de um tudo para me irritar, como que o problema pode estar em mim?
_ Já pensou na sua colocação dentro da situação?
_ Quê? Olha, doutor, não estou gostando do rumo da conversa.
_ Eu digo se você vem à frente, fica no meio termo ou na retaguarda quando o sujeito de tudo é você mesmo.
_ Penso que não vim fazer terapia sexual, desculpa.
_ E quem falou de sexo?
_ Ah, não se faça... Todo mundo sabe que o Freud era um maníaco sexual, até mesmo minha mãe.
_ Interessante você falar da sua mãe...
_ Não, nunca me apaixonei pela minha mãe.
_ Tudo bem, desculpa, já vi que você não é um sujeito simples, é daqueles que se deixa oculto.
_ Não me venha com metáforas, comparações ou paradoxos, eu quero paz e você está me deixando nervoso.
_ Não sabia que terapia é mexer com o que já decantou?
_ Estava tudo muito bom enquanto falávamos português.
O sujeito conjugou o verbo sair no pretérito perfeito do indicativo, na terceira pessoa do singular e nunca mais voltou.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Embriagada

Parecia dia de festa, eu estava bonita. Meus olhos, acostumados com a penumbra, viram tantas luzes que, perdidos, ganharam uma órbita elíptica onde um dos focos tinha nome e sobrenome. Aquele. Vi-me inteira, sem medo, apesar de quase cega com tanta luz. Não era uma luz convencional, visível. Era uma luz que me aquecia, fazia de mim alguém que os dias não eram. Não fui de vestido, nem de blusa rosa, fui de mim. E a obliquidade do pronome vem na tentativa de procurar alguma semelhança com o meu lançamento em direção à vida. Lancei-me. Subi, perdi velocidade, ganhei velocidade e caí. Foi bom. Os braços fracos e os peitos cheios pelo vazio de um sutiã amorteceram a queda e valorizaram o que mais tenho de mim: resiliência. Saltei da festa, na festa e para a festa. Festejei, enfim, minhas formas, meus sabores naqueles abraços repletos de pedaços completos daquilo que me forma. Sou a sóbria bêbada de... Pode ser de ti?

terça-feira, 30 de outubro de 2012

A nova ausência

Hoje eu achei uma caneta no chão. Pensei se. Como? De onde a sorte brotou? De qual terreno infértil a sorte esferográfica surgiu? Indiferente à origem, ela surgiu. Tão ela, tão rígida nas suas linhas e delicada no sentido do risco... Qual teriam sido suas últimas palavras nas mãos do esquecido dono? Fosse meu o descuido, como derradeiras palavras eu escreveria: não fui, fiquei. Talvez um poema curto, com palavras tuas do não dizível sentimento. Enfim, achei uma caneta. Quem sabe, ainda, seja essa caneta virgem de papel. Diria que nunca tocara o papel não fosse a ausência de uma fina lâmina de tinta e uma trinca no acrílico onde se apoia o dedo anular, levando em consideração um escrever que use o dedo anular. 
Quais palavras essa caneta não disse? Quais disse? Quais não deveria ter dito? Como vetor da fala incógnita do ex-dono ela cumpriu seu papel. Agora minha, o que dirá? Hoje eu achei uma caneta, mais uma que, muda, ficará na mesa esperando (in)verdades que pulsam feito ferida ardente numa combustão constante entre verdades impostas e sólidas mentiras.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Do caminho

A estrada,
ainda vazia,
chorou.

O homem,
ainda sozinho,
gritou.

E eu,
já perdido,
solucei.

Senti de perto
a ausência da fala.
Caí, chorei, gritei.

O homem
ausente
sumiu.

A estrada
repleta de eus
sorriu.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Dipterícia

Vi que a tempestade estava chegando, de verdade, eu consegui sentir o cheiro dos trovões. Sabe? Aquele cheiro ocre que sobe quando o vento é vazio e, ao mesmo tempo, cheio de uma premonição: é dia de céu desaguar. Mas era noite. O azul profundo tomava conta do céu, da mesma forma que o mar tamborilava o medo de transbordar com tanta água no seu inverso multicolorido. Caí na besteira de abrir a janela, mas só um pouquinho pra transitar entre a vontade de querer ver mais e o receio do que pode entrar pela fresta recém nascida. Parto prematuro esse. Do pequeno fio de nada que se fez entre o vidro sujo pela maresia e a rua úmida entrou uma mosca enorme. Uma mosca. Daquelas de um verde profundo e cintilante. Ela brilhava pra mim, só pra mim com aquele olhar que não se entende de tão geometricamente perfeito: são octógonos dispostos lado a lado num mesmo globo ocular protuso? São prismas? Já me disseram que são vários olhinhos pequeninhos unidos. Sei lá.
Pra mim, tem gente que é mosca. Porque mosca não é um adjetivo, mosca é mosca. É mosca por entrar e ver com olhos profundos nos olhos da gente. É mosca por rondar sem receber a permissão. É mosca por viver apenas em trinta dias o que eu não vivi em uma vida inteira. É mosca por se transformar de larva em um ser que voa por aí livremente. É mosca, apenas. Mas esta que entrou no meu quarto e que, ironicamente, tentou penetrar nos meus vitreamente protegidos olhos não me disse nada além do bzzz habitual. Quis saber a língua das moscas.
Confesso que pensei em pegar aquele produto que mata. Há tanta informação por aí: mosca anda no cocô, caminha pela sua pele, infecciona, apodrece. Mas que apodreça. Aos poucos a gente vai virando pó mesmo. De mansinho a gente vai virando alguma coisa semelhante à mosca; ando, por exemplo, digerindo coisas feito mosca: mastigando, engolindo, vomitando, mastigando, engolindo e vomitando uma porção de coisas para as quais não tenho enzimas ainda. O mesmo quimo de sempre. Pra não ser Kafkaniano demais, dispenso o exoesqueleto. Quero apenas mudar, voar.
Quando me dei conta, a mosca já não estava mais entre o ali e o aqui. Danada, também me causou inveja nisso. A tempestade chegou, a mosca sumiu e eu aqui ainda mastigando.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Do que te fazem.

Mácula fugaz da tua pele intocada.
Sagaz ousadia da fala:
Quem dera, quem dera.
A moça ainda considera:
Meu coração não, meu coração não.
E se fosse? É?
Mas ela é moça nova, sem emoção.
Clama, ainda, ao dizer:
Odeio a vida, odeio a vida.
A vida por si, querida, não é.
Nada? 
Nada.
E nada na direção do eu,
mas que não doa o eco que o ego te faz.
Super, ego, super.

Pré-posição: onde?

A rua gritou:
sou tua!
E não é que acreditei?
Caminhei, dormi, vi e casei.
Hoje sou moço-de.
A propósito, 
essa preposição pode conter a verdade
ou, então,
o sentido de uma perdição
daqueles que fogem;
Mesmo com a saudade,
perdi-me-de
encontrei-me-no.
Proponho:
Olhe. Pense.
A nua tristeza, hoje, beira a felicidade.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Cai, fieira.

No fim, tudo está
parece e comparece
num ciclo viciante
que liga ao ritmo
que risca a gafieira.

Porque na minha canoa é assim:
a fieira só vai.
Não volta por medo de acabar
e trazer no vazio da tarrafa
a fonte para mais um samba triste

Quer saber?
A vida é um choro
tocado pelo defunto maroto
que morreu de tanto sambar.

E na roda de samba da saudade
a voz da viúva faz o fá, o mi e o lá
como um grito de liberdade
de quem tem na felicidade
o alvo dos dias iguais.


domingo, 14 de outubro de 2012

Coisa alguma

Tudo o que eu dissera, agora, já não era mais. Nessa coexistência entre mim e esse eu - aquele, sabe? - o gozo perde. Eu sou a fuga de alguém, a fúria, a chama que clama por um sopro púrpura de sentido. Talvez esse quase olhar que tenho (que beira o soslaio vingativo daqueles que perdem) seja a forma mais sólida de dizer a quem eu chamo: ninguém. Esse não-eu que caminha sem dono pelas ruas tortas afônicas e sinuosamente pálidas é uma sombra rubra da projeção estéril que construímos (quem me garante e gere essa conjugação plurárica?). Sem moldes, modelos ou rascunhos, a ponte que me liga ao mundo não tem voz, não tem força para erguer além dos metros discretos limitados pelos graus miopiamente corrigidos dos meus óculos eternos. 

(Alguém ao fundo ergue a mão num frenesi de corpo e gosto)
 - Qual motivo de tanta adjetivação, moço? 
(Silêncio)

...

Os ouvidos carentes simplesmente impediram a entrada dessas ondas vibrantes, mutantes, insuportavelmente verdadeiras. Aquele mesmo soslaio foi a resposta: motivo algum, querida, motivo algum. Motivo algum. Algum motivo me motiva a crer que não é nada. Já que o não nega o nada, vai ver é, assim, de fato, alguma coisa e coisa, nesse contexto, pode também ser um adjetivo.


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Claro, ele sabia. Afinal, ele era aquilo tudo. Não que a culpa fosse dele, longe disso, mas ele tinha naqueles dedos roliços gotas de culpa que escorriam digitais temerosas ao longo dos móveis da desajeitada casa de praia. Seus olhos, com toda aquela comoção, foram ganhando um peso incomum, como se, de súbito, sua vida toda fosse para suas pálpebras dançar, dançar e dançar. A música foi tocando e os passos de uma vida partida pesaram ainda mais no seu olhar cansado que, agora, mirava a ausência da sua felicidade num quadro em branco que estava pendurado pelo capricho de um artista à procura de inspiração. E ela veio um dia, talvez. 
Mas o futuro é assim, brinca de ser e estar numa conjugação tão distante que nem se sabe a qual pronome se refere. O futuro é ingrato. O futuro é presente de um pretérito que não deveria ter sido. E o moço, que sentia culpa pela brancura de seu pensamento colado na parede, não queria nada além de um futuro que o trouxesse inspiração; o quadro poderia ficar em branco, até, mas que seus olhos não pesassem mais. E a culpa? A culpa vinha dessa incerteza, dessa fome de algo que ele não tinha enzimas pra digerir, ou direção pra dirigir ao fim.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Eu juro. Talvez um dia eu consiga lidar com essa tolerância barata que transborda de alguns olhares (pra não dizer o teu). Quem sabe, então, um dia, não seja tão doloroso olhar para qualquer lado e encontrar algum qualquer sim ou outro não. Fugindo dessas possibilidades, espero que numa dessas manhãs o sol não seja tão forte, a luz não seja tão fraca e o perfume na medida, porque no final das contas, a gente vive procurando uma dosagem na medida, uma que é só nossa e que parece que ninguém conhece.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

De longe eu o vi, sentado, no chão, como costumava fazer. Mesmo que ele não demonstrasse interesse no mundo, resolvi conversar. Conversando, então, vi que tudo o que eu imaginara existir era vivo apenas dentro de mim e aquilo que diziam os olhos não demonstrava tanta verdade quanto a mão que, inquietamente, dizia de maneira calada pra eu ir embora. A solidão é válida aos que sabem aproveitá-la de gota em gota. Não eu. Não eu? Eu escorro.

sábado, 25 de agosto de 2012

Você
Que tem olhos presos,
Sentimentos soltos e cara bonita
Esqueça do resto e veja:
Eu pareço com a sombra que projeto.
Ainda.

O mar é o som invisível do teu cheiro
E eu sou o pedaço vazio
Daquilo que ainda existe de ti aqui.
Ainda?

E é.
Parece que não,
Mas é.

É a folha que cai sem pedir
A onda que quebra sem chorar
A flor que se abre sem saber
O mal que é sem bem querer.
É você.