sexta-feira, 27 de novembro de 2009

No mundo onde fui criado
o mundo era a causa
no mundo que criamos
o mundo é o efeito
efeito feito confeito
doce Carolina, do teu jeito.


Quando questionada sobre o amor, ela sempre baixava a cabeça e dizia não ter tempo. Até que o moço da pastelaria percebeu que seu sorriso mudara, o taxista notou o brilho novo no olhar que, em épocas anteriores, beirava uma constância de opacidade. E o dia mudou, a vida sorriu e a moça também. O céu agora era mais azul e as flores surgiram. Um novo mundo.
- Alô?
Agora ela tinha quem respondesse. E pela certeza da resposta, ela se atrevia a ensaiar novas frases, que entralaçadas ao sentimento descortinavam uma parte da moça que nunca havia aparecido, um vocabulário que ela não imaginava ter, uma pessoa que ela nunca havia pensado em ser. E palavras surgiam de sua boca, pensamentos jorravam de sua mente em congruência aos dele. E quem diria, existia, de fato, uma moça por trás da carranca do cotidiano, existia sentimeto por trás dos cinco graus de miopia.
O que era único tronsformou-se em duplo: escovas de dentes, toalhas de banho, bolachas, uma vida regrada a dois corações ritmados em uma mesma frequência, entretanto, mesmo que sazonal, os encontros se faziam plenos em suas perfeitas limitações. A moça passava a descobrir quem era.
As goteiras faziam vezes de piano e embalavam a conversa que adentrava a madrugada, a voz firme do rapaz a fazia suspirar e com suas próprias mãos ela ia descobrindo as texturas do seu corpo, deslizando por seu mundo. A face, acostumada a ser cortada por lágrimas, estranhou o fino toque das mãos, as quais ganharam um tom róseo nas unhas e mesmo que de forma desajeitada, sem cutículas.
De olhos fechados, com o telefone do lado e o ego elevado, ela olhava para o teto como quem vê o mundo. Naquele momento ela não precisava de olhos, via o que queria ver através das lembranças que mudaram sua retina, que a curaram da sua miopia convencionalista de ver o mundo como ele gosta de ser visto.

domingo, 22 de novembro de 2009

[da maçã envenenada de futuro/presente]

Indo ao mercado, às pressas, correndo contra o relógio, um engravatado escolhe uma maçã argentina pela cor, pesa sem olhar nos olhos do funcionário, pois está lendo o jornal, e se dirige ao caixa para pagar as compras. Dentro de um curto espaço de tempo e lugar, as relações possíveis são impedidas pelo modo de vida contemporâneo, o sorriso para o moço das frutas foi trocado pelo bombardeio de tragédias do diário que o homem trazia nas mãos, o qual nem imaginava quem havia plantado a maçã que ele comia como café da manhã.
Por mais estreitas que as relações aparentemente sejam ou estejam, elas estão divergindo de forma que, involuntariamente, o homem moderno, engravatado ou não, vê-se solitário mesmo em meio a uma multidão e as informações que são trazidas multidirecionalmente pela massificação da mídia são mais relevantes que as trivialidades essenciais. O verde perdeu o tom, a música também. O que se ouve é buzina e o que se vê é fumaça.
Sem dar tchau ou obrigado, o moço da gravata se dirige para o carro comendo maçã, saíra atrasado e não queria comer demais para não pensar de menos, coisas da rotina. Dentro do carro, copos vazios de café, numa noite queria prolongar pelo trabalho, na outra também, e na outra, na outra, na outra... No retrovisor, sem perceber, forma-se a imagem de quem ele é: empresário, rico, solteiro, com olheiras e rugas aos 30. O mundo envelhece pensando no futuro, quando na verdade era ele que deveria trazer a velhice, se não ela, o que o futuro trará? Atemporalidade, o mundo parece transpirar uma idade atemporal. A Eva da sociedade não resistiu, comeu a maçã.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

:
e digo não.
ela olhou com firmeza para onde, frequentemente, dormia seu marido. Não tinha mais forças para pedir um retorno, de fato não o desejava. Por mais que anos cheios ao lado de uma pessoa vazia a fizesse feliz em certos pontos, naquela tarde cinzenta dentro do metrô ela se via livre. Sem ter que cozinhar ela comeu o que tinha, lembrou-se de esquecer de lavar a louça e não passou o creme que rotineiramente e com capricho passava na face, não precisava mais ser bela aos modos dele. Pensou em fazer desenhos na pele, colocar brincos além dos convencionais, pensou em de fato aproveitar a juventude que lhe escapara pelos dedos, o anular em especial.
Mergulhou pela primeira vez em seu mundo. Descobriu que gostava de Ballet, que amava Mozart eu que achava Tchaikovsky agressivo, gostos que foram surgindo a medida em que ela adentrava nas suas próprias profundezas.
E o telefone dizia "Maria, eu te amo", ela respondia para ela mesma "Também me amo agora". Jogou o batom rosa-bebê no lixo, ele gostava, ela não. E se ela de fato fosse uma certa magia, uma força divina que nos/se alerta, ela acordou pra vida com a força estranha que vinha do rádio. Se o telefone sussurrava que a amava, o rádio gritava a sua força de viver e não apenas o Nascimento do Milton, foi o nascimento da Maria, a Maria que nasceu foi criada para casar, casou e descobriu que não havia nascido para isso. Amar... a intransitividade do verbo abria a possiblidade de amar ao mundo, à vida e a ela mesma. amei, amou, amarei, amará. Tempo que for, as lágrimas de Maria não mais seriam um nome escorrendo pelo seu rosto, seriam, a partir de agora, palavras de sua felicidade.

sábado, 24 de outubro de 2009

Da existência

Folha seca sem vida
Foi feita vida sem querer
Sem medo ou vergonha caiu ao mundo
Sê adulto!
Sê fruto!
Sê o que tiver de ser...

Folha de quem for,
fora folha ao amanhecer
mal me quer ou bem me quer,
nada importa.
Caiu ao mundo ao acaso durante a noite

Abaixo dela havia alguém [eu?]
Braços abertos a espera de quem? [alguém?]
O céu não pariu ninguém!
O pensamento vai contrário à gravidade,
Caí ao mundo feito folha seca.

Se se cai no escuro por opção
Não se tem na cabeça muita coisa
A solidão é maior que a inclusão
Na terra onde o céu é mais bonito
E o outono menos cruel.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

E por isso somos feios, por não querer mais ser. Desprovemo-nos do que nos restava pelo simples fato de não saber mais o que fazer com a vida. Nas segundas, o dia sempre acorda amargo. Nas noites do domingo, sempre se dorme com pesar e as quartas são sempre cinzas, mesmo que não chova.

Somos feios também por padronizar a beleza, por não mais individualizar as qualidades, massificando o agradável e o desagradável, impondo limites e falhas uniformes, sendo uma pessoa só dentre outras tantas bilhões. O mundo deseja ser uma pessoa só. A pessoa que está na capa da revista, na televisão e que não é de verdade.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A esperança fica em baixa perto do cinza faraônico da metrópole. O sentimento que outrora caminhava junto aos sonhadores, hoje, se estes ainda existirem, trazem consigo uma revolta tímida, muitas vezes forjada. Intrigante. Revolta sempre foi motivo para mudanças de resultados positivos para o todo. Pode ser que o dicionário tenha mudado ou o medo esteja maior que revolta. A sociedade desde o seu princípio foi marcada por mentes que tentaram mudar sua realidade através de atitudes divergentes à normalidade injusta, onde foi parar o espírito revolucionário? Ele é relevante no aspecto social da globalização onde tudo é padronizado? Não fazem mais Guevaras como antigamente.
A sociedade vertical estabelece padrões desnecessários para a sobrevivência entre as pessoas. O que foge à regra, se torna errado e merecedor de olhares tortos. Sem a necessidade disso, aqueles que ficam às margens sociais se enclausuram em suas idéias de igualdade humanamente, ou socialmente impossíveis. Comparar-se então, se torna uma prática diária de qualquer vivente capitalista.
Adianta querer mudar, ao passo que as mudanças são mandadas diariamente para dentro de casa de forma igualitariamente pré-definidas? Hoje é a TV que liga e desliga sozinha, que tem três dimensões e uma imagem nunca antes imaginada. E amanhã? Será que amanhã esta será de fato uma realidade, e como toda realidade será real para a maioria da população? Difícil.
O fato é que a sociedade vem se afunilando para a perfeição aparente. Uma vida de ostentação. O mundo tem ETs que são daqui mesmo. É, desses que andam em máquinas superpoderosas, que têm olhos biônicos e tecnologia avançada. O bom brasileiro - ou de qualquer outra nacionalidade que não viva no estandarte do luxo -, diz que não existe e que só pode ser coisa do cinema de Hollywood, daquele diretor famoso que nunca se lembra do nome e lendo o jornal, diz que tudo é fase. Fase de pobreza, fase de miséria, fase de comprar uma geladeira nova e a fase da indiferença, quando acaba? Toda fase tem um fim, não é? A geladeira nova fica velha, a pobreza aumenta e a indiferença está sempre ali.
A menos que o mundo acorde, que as pessoas passem a respirar o seu próprio ar e sejam felizes com aquilo que realmente são, esquecendo das devoções a ícones e padrões, as pernas do jargão “sistema” caminharão cada vez mais para a exclusão. Coitadas são as crianças que nascem hoje fora do berço de ouro. Tudo agrega, mas se aprendeu rapidamente a subtrair, o mundo corre o sério risco de terminar em saldo negativo, e aí, a culpa é de quem?

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Ela temia o futuro como se fosse algo que pudesse agarrá-la, tirá-la do prumo de fazer com que ela desistisse da vida. Sempre fora assim, desde pequena. Este medo do futuro fazia com que tudo na sua vida fosse regido pelo passado, um fantasma ou outro que já fizera parte de sua curta vida ditava as regras do amanhã. Por fim, seus dias eram sempre iguais ao ontem, não inovavam, não ganhavam o brilho do desconhecido.
Acordava sempre na mesma hora, com o mesmo despertador ganhado da mãe no natal de 1997, quando de fato passou a precisar de um ao sair das asas maternas. Esse fora um ato heróico para ela, que se dependesse única e exclusivamente de sua opinião, ficaria em casa o resto da vida. Passou a perceber que as roupas não perdiam os amarrotados sozinhas, que a comida não vinha pronta do mercado (até descobrir o microondas) e que a casa não tinha um botão autoclean. Mesmo assim, temia.
Temia não acordar, temia perder a memória, temia, temia e temia. Andava a passos curtos e lentos com medo de lesionar tendões. Mantinha fixos, na bolsa, um casaco e um guarda-chuva no caso de uma mudança repentina no tempo. Alguém fora do seu mundo particular chegaria certamente à conclusão que ela não pertencia a vida dela. E de fato era assim.
Boa família, bons pais, boa criação e educação. Em algum ponto essa sua insegurança deveria ser explicada, mas não havia como. Numa manhã cinzenta o despertador tocou diferente. Não era mais aquela música do desenho da TV vivaz e ampla, ele estava fraco, quase parando. Aquilo pra ela foi algo tenebroso, com medo ela apertou o botão soneca para dormir mais quinze minutos, como sempre. Dormiu mais duas horas. Ir ao trabalho e chegar atrasada ou ficar em casa e forjar uma doença? Era uma situação inusitada para alguém grudada à rotina. Por fim, foi.
Ônibus, catraca, troco, suor, sol do meio dia, chefe bufando. O futuro indiferente ao passado em fração de minutos passou a fazer parte da sua vida. Construir um destino foi novidade para ela, feito astróloga ela foi adivinhando os próximos segundos como se tudo fluísse em sua mente. Briga, demissão, último café na empresa, lágrimas, fim. Não fim da vida, ela teria muitos amanhãs pela frente, fim de um ciclo de quem vê a vida sem a sua principal essência.
Apesar de o termo essência de vida ser um tanto vago e relativo, ela passou a procurar a dela. Ainda de olhos marejados pelas lágrimas jogou o despertador fora, pilhas novas não resolveriam sua vida. A palavra nova soava com receio em suas sinapses nervosas, novidades, mudanças. Percebeu que havia crescido, tornara-se adulta sem querer. Quase sem querer ia despedindo-se da vida sem ao menos notar. Clarice tinha razão, pensou, o adulto é triste e solitário e isso não era apenas uma comunidade do site de relacionamentos mais famoso, era uma realidade na vida dela.
Pensava apenas nela, no que vinha dela e o que ia para ela, esqueceu que ao seu redor havia um mundo que indiretamente dependia dos feitos dela. Passou pela sua mente um filme de vivências negadas: caras pintadas, muros caídos, guerras, mortes, fome, miséria, desigualdade o mundo desabando e ela apenas preocupada com um medo bobo de não mais acordar, vivendo no ontem. O que a confortou foi o fato de saber que ela não era a única a estar de braços cruzados em relação ao mundo, infelizmente e isso a entristeceu da mesma forma que a alegrou, um sentimento antitético que a fez acordar para a vida, o despertador que sua mãe não dera. Nas mãos dela, o relógio de ponteiros parados delimitava claramente a sua situação, sem saber para onde andar, para qual lado ir, ela jogou o despertador no lixo. Ver os seus limites e definições alheias irem para dentro de cesto de lixo e espatifarem-se com o impacto despertou-a mais que a música da TV.
Resolveu, depois de anos sem, assistir a noticiários. Em alguns casos, não assisti-los faz bem, quando se é preocupado demais com o mundo, quando os olhos já são mais alarmantes que a vinheta do plantão, não era o caso dela. Não adiantava mais colocar faixas na janela “Yes, we can!”, não valia à pena deixar de lado tudo e viver uma experiência sociológica de igualdade social com os mendigos, não adiantava. Estava tão agarrada a sua maneira de viver, que as divagações duraram outros quinze minutos. Abriu a porta do freezer, pegou um pote de sorvete de creme que persistia ali por meses, uma colher e chorou. Chorou por não ser a única a perder a habilidade de construir a vida. O medo dela havia mudado de forma, se evoluiu ou se regrediu, não se sabe. Ela tinha medo, agora, de nunca poder ser aquilo que ela tinha noção que deveria ser e não era. Sozinha ela lamentou a sua atitude estática de negar o que se é.
E quando me disseram que tinha uma pedra no meio do caminho, eu não acreditei. É muito relativo pensar que em todo caminho há uma pedra, mas é um fato incontestável. Muitos dizem que a pedra de Drummond é sem conteúdo e digna de uma criança de quarta, no máximo quinta, série. Eu digo que não. Tudo bem que não sou ninguém ou alguém de irrelevância no parâmetro social mundial, mas vale a pena expor a opinião, ao passo que uma opinião é sempre uma opinião independente de onde ou de quem ela venha.
Se ao caminhar, num dias desses mergulhados na rotina, Drummond encontrou uma pedra no seu caminho isso se assemalharia a nossas vidas, visto que foram muitas as vezes em que eu ou qualquer outra pessoa andante deste mundo esbarramos com uma pedra enquanto rumavam nossos destinos. Mas se não for uma pedra a pedra de Drummond? Essa pedra, para mim, não tem nada de rochoso, piroso, betuminoso ou qualquer outra coisa que se aprende nas aulas de geografia, foi uma tuberosidade na literatura.
Literatura é uma foto da sociedade. Pegando os livros ou papiros antigos vemos que os autores (quando não ficção) abordam temas que expressam a sua indignação com a realidade que os cerca. Até mesmo Shakespeare (de grafia duvidosa), em suas peças e novelas expunha seu pensamento renascentista mesmo vivendo no auge da era elizabetana e no ápice do anglicanismo, quando as rédeas eram mais frouxas, denunciava a unidirecionalidade das relações onde todos viam a maior expressão do amor, e os exemplos excedem a trágica peça Romeu e Julieta. Hamlet, por sua vez, fala da insanidade intrínseca ao ser humano, fato ou não, as suas cinco horas originais de duração acabavam fazendo com que os espectadores acharem insano quem escreveu e não mais o personagem .
O bom brasileiro diria: "Shakespeare é Shakespear, meu amigo!". A mania de adorar a cultura inglesa ainda existe nos dias de hoje, mesmo depois de o inglês ver muita coisa. Eu diria "Drummond é Drummond". Sei que não estou sozinho nessa teoria nacionalista, além de Policarpo Quaresma, entram na lista outros tantos brasileiros que têm por gosto ler, assistir o que é nosso. Mas essa é a pedra? Não, eu acho que não. E se nem José responde o que é essa pedra, quem responderá?
A relatividade de um objeto abre um leque de possibilidades na interpretação. Particularmente, a pedra será sempre atual e mesmo com retinas fatigadas, veremos que há mais pedras que flores no nosso caminho e se estas existem, possuem mais espinhos que pétalas. Há quem tenha o prazer em chutar pedras, há quem tenha medo delas, prefiro apenas olhar. Existe uma pedra no meio do caminho de todo mundo, repetidas vezes, pedras no meio do caminho, no meio do caminho existem pedras. Ser ou não ser passa a não ser mais uma questão de escolha, haja vista a quantidade de pedras, sendo essa a semântica de expressão, prefiro me abster à ignorância e pular essa pedra, assim como as outras, outras e outras. E pra finalizar o texto com uma oração condicional seguindo o padrão do resto dele, se o leitor atentar à quantidade de vezes em que o substantivo "pedra" (no plural ou singular) aparece nas linhas anteriores verá que Drummond estava tão certo quando Shakespeare ao dizer que as frases dele durariam mais que o ouro ou o marfim das estátuas, há sim uma pedra no meio dos caminhos, sejam eles literais ou reais.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A hora do rei

Apoiou-se com a mão direita na mesa, com a outra segurava o cigarro que tragava quase que se exibindo. “Sei que fumar em local fechado é proibido, mas ainda vou deixar de fumar”, falou isso com certa ironia. Ainda antes de começar sua fala, o motivo da convocação, puxou com o pé um cesto de lixo escondido e cuspiu dentro dele, em seguida, apagou o cigarro na água do vaso que Ivete, a faxineira, tinha gentilmente colocado como decoração. “Pessoas assim importantes quando fazem reuniões, gostam de um arranjinho na mesa” disse ela quando arrumou o auditório. O homem tão importante tinha costeletas enormes que emendavam com o bigode amarelado pela nicotina. Isso não é uma campanha contra o cigarro, no entanto, aquela amarelidão que combinava com as pontas dos dedos era da nicotina, sem sombra de dúvidas. Começou então a fala tão esperada:
- Senhores! (pausa) – mancando, mostrando um possível bico de papagaio, hérnia de disco, ou qualquer outro problema na coluna que o tirava do prumo, da angulação normal de qualquer homem normal. Deu três passos bem lentamente, posicionou-se em frente de um quadro negro (Cálculos em silêncio).- Acredito senhores - prosseguiu o rengo, o qual também era gordo - que hoje sairemos daqui com uma nova mentalidade com relação a nós mesmos e nossa luta diária.(pausa)
– Tomou água que a Ivete tinha deixado e falou: Que calor!
- Mesmo sabendo de nossas dificuldades e limites – as quais eram evidenciadas pelas sérias debilitações físicas do falante – devemos aliar a rotina à doutrina do desapego, esquecer que somos diariamente julgados pelo o que aparentamos ser.
Mesmo que o assunto o empolgasse, o velho penteava o bigode amarelado sabendo que a sociedade e seus problemas não era o motivo principal da reunião. A pauta abrangia muito mais que um discurso socialista, comunista, anarquista, capitalista, ou qualquer outro manifesto que envolvesse o entorno e a interação do meio com o mesmo. Aquele homem, roçado pelo tempo, gasto pelos dias e maltratado pelas horas estava prestes a revelar aos seus sócios a descoberta de sua vida. Ivete, a empregada, admirava muito aquele homem, lamentava que ele gastasse tanto com cigarros. No fundo, nutria um sentimento platônico, mesmo sendo casada e mãe de quatro filhos. Procurava sempre suprir as necessidades do velho visivelmente adoentado, mas quando ele falava, Ivete ia às nuvens e pensava como alguém poderia ter engolido a Barsa e digerido-a com enzimas de conhecimento.
- Caríssimos, ao longo de minha vida, estudei muito e li sobre muita coisa. Nada do que meus míopes olhos fitaram é comparável a que tenho para revelar – um acesso de tosse acometeu o pobre homem torto, mas mesmo entre tosses, com voz cansada, continuava o discurso – não espero de vocês algo menos que o espanto, o que me refiro, supera os limites físicos.
A essas alturas, os ouvintes já se mostravam temerosos. O homem também de bigode que ficava na primeira fila não parava de alisar os fios demonstrando nervosismo, a mulher ao lado dele alternava o cruzar de pernas e feito coreografia tornava externa a sua aflição.
- O homem depende exclusivamente do seu autocontrole – a revelação estava próxima. O coração do velho palpitava feito coelho em disparada, o que tanto esperou de fato estava acontecendo, proliferaria a sua idéia.- Não somos ninguém perante a natureza!
O corpo não respondia aos reflexos, os neurônios não estavam mais em harmonia. A orquestra de sua vida desentoava perante aquela assembléia que atônita, pensava assistir a um comício nunca antes imaginado. Contorcendo-se e balbuciando, gemendo e quase chorando veio ao chão.
- Bravo! É de homens assim que o nosso país precisa, meu voto é seu, sempre soube da sua aptidão para a política e que hora ou outra iria aflorar. Bravo! – exclamou em êxtase o homem do bigode.Em coro os outros ouvintes seguiam o exemplo do primeiro manifestante, gritavam a vitória do defunto.
Saíram planejando campanhas, propagandas e correções na feiúra do candidato através de programas de computador para dar um tom angelical a imagem certamente abominável dos “santinhos”.Ivete, como sempre, emocionou-se com tudo, achou tudo muito lindo mesmo não tendo entendido parte das palavras, algumas, inclusive, anotara para pesquisar no dicionário. Pela primeira vez, foi felicitar o homem.
- Doutor, foi tudo muito lindo, parecia um rei... Doutor?
O que respondeu foi o óbito. O pobre homem que via o mundo a trinta graus para a esquerda não fez a revelação, não chegou ao objetivo, mas morreu como rei.


Texto escrito com meu pai, José Genario Machado (http://www.jmachadolg.blogspot.com)

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Espalhando óbito e sangue pelo asfalto, um mendigo põe fim à rotina urbana. Caos temporal, tic-tac, triim!. Poucos param para ver a cena, um homem maltrapilho jogado ao chão, exalando morte. Não fora culpa dele, dizem ter sido da sociedade. Onde está o coveiro? Ali ficou o indigente esperando o IML levar seu corpo. Numa inércia eterna não contava nem com a auto-ajuda, solitário por entre a multidão que, mesquinhamente, rumava seu futuro.
O que difere o futuro do tal mendigo ao do homem engravatado da esquina? São diferentes por convenção. O futuro, além do pretérito e perfeito das conjugações verbais (valeria e valerá), é conceitualmente igual a todos: um nada. Intangível, intocável, solitário. O homem morto, vestindo seus farrapos fazia vezes de futuro, era dele o amanhã, o ontem e o hoje, apesar de não possuir mais nada além da alma – limita-se, então, a existência ao triste fardo de transformar-se em ectoplasma, independente de qual seja a crença do leitor – e quantas outras desgarrariam do corpo naquele exato momento em que o ônibus o atropelara?
Chega o momento em que já se tem uma meia dúzia de espectadores para a morte. Quem diria! Uhh! Ahh! Ichh! Exclamações que representavam a repulsa humana com o seu futuro. Sim, pois não daquela forma, mas de outra, todos cheirarão a óbito, assim como o pobre andarilho. O medo é esse, igualar-se a um inferior. O homem engravatado pensa “menos um para aumentar a escória”. Escória por escória, ele também fazia parte daquela casta onde tudo é bonito mesmo sendo feio: a escória que mente ser legal, que finge ser normal.
Normalidade é outro termo que intriga. O maltrapilho também era normal, normalmente caminhava, via, lia, sorria... Cadê a anormalidade? “Ah, mas ele não tem uma casa, uma família, um carro, negócios e contas. Quem paga a estadia dele nesse mundo são os meus impostos”. A casa era o mundo, a família era o povo, o carro eram as pernas, os negócios eram as conversas e as contas... Há tantas formas de se pagar a dívida vitalícia com a sociedade, a do mendigo era simplesmente não dar trabalho a ela, não ser mais um a somar com mais um ponto negativo.
DROGADO! VICIADO! Por vezes perdeu-se nos vícios, provou de um tudo na rua. Há de se convir que o mundo da rua seja uma dimensão paralela ao mundo florido do consumo. Aí está o vício! Este sim consome denigre e corrói o pensamento. Consumistas de plantão deixavam o perfume do dinheiro nas narinas intragáveis do corpo. E nada se abalavam, continuavam sua maratona do “Goste, compre. Pague quando der”. A culpa não é de ninguém. È?
Intrínseco à sociedade está a culpa de ser inocente. É muito fácil pôr a responsabilidade de tudo na sociedade ou no famoso jargão “sistema”. Se for o capitalismo o motivo da morte do mendigo não se sabe, ou do consumo ou até mesmo da indiferença humana a seu “irmão de espécie”. No fundo do fundo, a humanidade é animalesca por pensar demais, o homem que pensa que pensa, não sabe pensar. Encabrestados pelo egoísmo seguem em frente os homens, menos o mendigo, que atrapalhou a terça-feira, o trânsito, a vida, a vida, a vida, a vida, a vida e a vida da meia dúzia de mentes que inalou o seu óbito.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

...Foi quando o jovem teve a oportunidade de dar um rumo verdadeiro a sua vida, algo que não fosse previamente desenhado pela sociedade, preferia seguir sendo apenas o ator a ter que assumir o roteiro. Fingia entender de filmes, sabia que “E o vento levou” fora a película que mais rendera para a indústria cinematográfica, que “Titanic” apesar de ter falhas gritantes faz 85% dos que o vêem chorar, mas e daí? São ótimos comentários a se fazer numa roda de amigos quando o assunto cinema for citado, bebendo algo enquanto degustam aperitivos, entretanto, o que falarão dele mesmo? Não do Leonardo di Cáprio, nem de qualquer outro ator famoso, o que falarão dele, do homem que veste um terno ao sair de casa, um sapato lustrado, mas deixa a alma no guarda-roupa.

domingo, 31 de maio de 2009

Há quem seja bravo, há quem seja fraco, há quem apenas seja pelo simples fato de existir.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A vida é feita de escolhas. Por mais que essa frase seja batida, conhecida, pronunciada e tantos mais, ele é uma verdade incontestável. Ao nascer a criança escolhe entre chorar ou não, entre caminhar ou não, escolhe entre dar o primeiro suspiro fora da sua primeira casa ou simplesmente negar a nova moradia. Escolhemos. Somos responsáveis por nossas escolhas e são delas que, infelizmente, é feito o futuro. Não que seja terrível contar com o incerto provindo do certo, mas saber que o futuro dependerá da esquerda ou da direita, do verde ou do amarelo, da calça ou da bermuda, querendo ou não, assusta. A questão é que involuntariamente escolhemos o nosso amanhã aos pouquinhos, sem querer vamos pincelando um quadro emoldurado por regras e ditos populares. Hoje, em minha sala de arte, pintando um novo quadro entitulado 22/05 ou até mesmo o 2010, fiz um borrão enorme. Fiquei com medo, quem não ficaria? Afinal, um borrão é sempre um borrão, parei de pintar e pedi para que pintassem pra mim... Isso não é mais novidade.
Certa vez conheci alguém que decidiu não mais decidir, achei muito estranho. Um tempo depois encontrei essa mesma pessoa feliz da vida por ter tudo que sempre quis. Parei. Pensei. Decidi não pensar muito e seguir em frente. Acho que o problema maior é decidir pensar demais.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Semanticamente, o verbo sonhar abre um leque de possibilidades. Através dele, viaja-se por entre o inimaginável, preocupando-se ou não com as leis físicas. Desta forma, não há realidade suficientemente forte para destruir a pseudo-realidade do mundo dos sonhos. Constantemente perguntam a crianças, adultos e a toda pirâmide etária qual o seu maior sonho. E eu? Logo eu, tão às avessas da normalidade, torto em pensamentos. Com que eu sonho? Já sonhei com muitas coisas, que beiram o capitalismo e seu filho consumismo e até mesmo viver em comunhão com a sociedade, anarquista, socialista, comunista, como preferir, independente do sistema, sonho com uma integridade social, um conjunto sólido que possa gerar mais frutos além de corrupção e crescimento exagerado.
Sonho também que em 6,5 bilhões não sejamos um fardo pesado demais para Gaia e que ao menos uma, dentre esse montante, tenha pensamentos convergentes aos meus. Seria interessante, não mais ver a miséria, nem a dor, a injustiça e o descaso estampados no rosto de pessoas inocentes de nascença. Legal seria se a comida da minha mesa se multiplicasse e que a cada dia, novos amigos viessem com sua fome e histórias multiplicar vivências.
A eternidade. Não espero que as pessoas passem a ser eternas, acabaria com o clico natural das coisas, no entanto, espero que a eterna idade não seja vista como sofrimento e que o passo para o tão temido vale não seja proveniente de um empurrão. Claro, todo altruísmo, tem por trás gotas de egocentrismo, almejo também uma casa, apartamento, fama, sucesso, dinheiro, amor, casamento, filhos, contas a pagar, churrasco aos domingos... Não sei se o mundo de meus sonhos seria emoldurado com essas trivialidades que, apesar de eu mesmo defini-las como desprazíveis, fazem parte de meus mais profundos desejos. O conjunto, necessariamente, acarretaria em um mundo perfeito para viver em harmina. (In)felizmente, a perfeição não excede a definição, pois na prática ela se torna imperfeita e incompleta. De certa forma, não poder realizar todos os sonhos é um catalisador para a vitória.
Além de sonhar, dizer, proclamar o que é conveniente e o que fará bem, vale também pôr os desejos em prática e não é jogando moedas em fontes milagrosas que se consegue. Pior do que um revolucionário sem causa, é aquele que tem a causa formulada, mas não a põe em prática. Desejo desta forma, sorrir, fazer sorrir e brincar com o tempo, esquecendo que o passado não volta e o futuro é incerto. Um mundo ideal não teria a exclusão do diferente, abriria os braços e feito mãe, entoaria canções de ninar, acalentaria e diria: “o mundo é seu, independente de quem sejas.”.
Quando a cor não definir padrão, quando o céu não mais tiver buracos nem chorar gotas ácidas, quando o amor não for mais motivo de morte, quando a vida for sempre bem vinda, quando um sorriso voltar a abrir portas, quando a liberdade tiver o verdadeiro sentido para alguns e a ética entrar para o dicionário de outros, quando eu não precisar mais dizer qual é o mundo ideal... Nesse dia, não se falará em mundo dos meus sonhos, falar-se-á no mundo em que se vive com orgulho.





Ta aí um texto bem sem momento, feito num dia desses, iguais aos outros. Algumas coisas não saem e nossa cabeça, já percebeu? Por exemplo: o mundo é pequeno feito cabeça de alfinete, por vezes não acho digno o ponto dado pelo alfaiate. Fazer o quê? Nem todo mundo sabe dar pontos tão bem quanto minha mãe. Digno ou não dou aquele meio sorriso, desses que se dá a meio conhecidos, com metade de vontade e simpatia. Não, não é hipocrisia, não preciso de uma para viver, é apenas "comodismo", longe da falsidade mas beirando um personagem. Interessante

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Não esperava muito: uma casa, o que comer e roupas limpas. Já era o suficiente. Depois de muito tentar encontrar o verdadeiro caminho para o seu eu, ele preferiu sentar e aproveitar do último suspiro noturno. Não era sexta, nem sábado, mas aquele domingo tinha cara de segunda. Depois de afogar as mágoas nos bares e botequins, era o mundo que caminhava para ele. Sozinho, sem ninguém para limpar o sangue que escorria de sua testa (ferimento provindo de um tombo, ou melhor, mais um deles) ele esperava a cura. Palavra complicada essa, traz em sua semântica a solução, mas não se faz sinônimo de bem estar. De braços dados para o céu, gritava barbarismos que tentavam exprimir dor, ódio, rancor e medo. Não fora um bom filho, nunca manteve uma relação amigável com sua esposa depois do casamento e o filho, jamais vira o pai como ele realmente é. Sempre alterado, saía da construção onde trabalhava e se sentia no direito de aproveitar das lágrimas do alambique, fazer delas as suas tristezas. Jogado ao acaso e a boa vontade de alguém, pode-se dizer que foi vítima? Vítima de quem? Afinal, qual seria a melhor definição de vítima?
O homem sentado no chão, via por entre imagens embaralhadas de uma noite estrelada, pedaços nítidos de sua vida. Mãe ex-prostituta, pai adúltero e também acóolatra. Falta de ensino básico e principalmente de amigos. Medo. Solidão. É evidente que esperar uma melhoria vinda dos céus é algo inviável nos dias atuais, no entanto, o homem não sabia o que fazer. Tentara mudar sua realidade, casara-se com uma moça de boa família, que supostamente traria a salvação de sua culpa crônica de nascer sob o signo da escória. Doce ilusão. "Afasta-te deste vagabundo, minha filha! Ele quer apenas o teu dinheiro e nada mais. Não espere amor do fruto de uma despudorada e recalcada saciadora de prazeres libertinosos" As palavras do sogro eram fortes, marcantes e suficientes. Lebrava-se da história no jornal, que quando ainda sóbrio havia lido. Falava de uma tal de Aparecida, história feita, não história vivida. Moça mal nascida assim como ele, vista como pobre, imposta ao mundo sem perguntar-lhe a opinião a respeito. Ferreira Gular, "Homem inteligente", pensou, "sabe como é ser culpado de sua própria inocência".
Como para palavra de bêbado não se dá valor, lá ficou com seu filme, sem platéia além da noite. E como não amava feito Bilac, não entendia nem ouvia as estrelas. Estava sozinho, era sozinho, seria sozinho. Alguns diriam que era mais um a aumentar as estatísticas de indigentes que não têm perspectivas de vida, que não se importam com o amanhã. Este homem era diferente. Havia nascido culpado, e como dizem e agem, de que vale querer a redenção quando os caminhos levam sempre ao mesmo fim torto?
Aos poucos o sono ficou mais pesado que os pensamentos, acabou deitando na rua mesmo. O dia nasceu, os carros acordaram e os ônibus também. Coitado, tão logo abriu os olhos onde não precisaria mais deles. Ao menos não morreu feito criminoso, feito ladrão. Isso não! Cheg(ou)aria ao lugar onde todos eram iguais, seja de qual signo for.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Ele provava de um dos sentimentos mais agridoces da humanidade, a tristeza provinda de uma felicidade. De gole em gole, saboreava a amargura de lágrimas com um shake de sorrisos. Embreagou-se com a dualidade do seu próprio ser, que apesar de humano, mostrava-se animalesco, rosnando, bufando. Por mais que seu rosto estampasse um sorriso verdadeiro, em partes, seu coração chorava gotas discretas, as quais eram levadas ao resto do corpo por uma questão de fisiologia cardíaca, deixando em cada centímetro cúbico de sangue, em cada tecido ou célula a indignação por estar assim. Assim, sem saber o que pensar, o que fazer, o que falar. É natural acreditar que as coisas são eternas, quando na verdade, elas precisam de um fim. Não que isso seja impuro ou irreal, mas o rapaz pediu para que tudo isso tivesse um fim, esse medo, essa angústia. Estava sozinho por estar acompanhado, queria luz quando tudo estava escuro. À pupilas pequenas, esperou encontrar a resposta em sonhos alheios, já mastigados, feito a mamãe passarinho com os filhos passarinhos. Adequados às mazelas sociais, os sonhos provindos da rotina são mais seguros, apesar de efadonhos, exigem menos. Sabendo que a facilidade nem sempre é o melhor caminho, ele estava se propondo a viver a vida dos outros, no mundo dos outros, enquanto torturado, castigado por um crime desconhecido mas inafiançável de prima vista, seu verdadeiro eu era enclausurado na mais impenetrável prisão: a mente humana.

terça-feira, 14 de abril de 2009

A criança chorava com sede e fome, a mãe sabia que era hora de acordar. Na cozinha, restos de bolacha, leite e pão, nada mais. O corpo gritava por nutrição e o bolso clamava por ajuda. Na televisão ganhada da ex-sogra, a mãe assistia ao mundo perfeito de seus “irmãos de pátria”. A repórter muito bem vestida, com cabelos perfeitos e sedosos. No espelho da jovem mãe, via-se a imagem sertaneja: roupas doadas, cabelos amarrados camuflando a sujeira.
Paradoxalmente, a mulher dava migalhas ao leite para seu filho, regadas a lágrimas caladas enquanto na TV, um belo bolo de chocolate era ensinado. Facílimo e apenas R$10,00 por porção, com metade disso ela supria as necessidades semanais. “Come com os olhos, bebê”, “Mamãe, no meu aniversário quero um daqueles, meus amigos vão adorar!”. Ele poderia pedir algo mais fácil.
De pés descalços, rumou a prefeitura, onde habitava o fazedor de sonhos do povo do sertão, com toda sua pompa. Não era época de eleição, o poder do prefeito havia acabado após a candidatura. “É só um bolo de chocolate”, retrucava a mãe, “Quem sabe daqui a quatro anos”. Voltou para casa, às vésperas do aniversário da criança, sem presentes, apenas com mais palavras engolidas.
Chegando em casa, a mãe teve que explicar ao filho a ausência do bolo no dia do seu aniversário, não foi tarefa fácil. Em alguns momentos, as poucas palavras do vocabulário restrito da jovem mãe não eram suficientes e aos soluços a mãe disse ao filo que ele teria um lindo bolo com glacê, não de chocolate. Secando as lágrimas da mãe, o filho disse que não havia problema, mas em troca ele queria a televisão ligada durante a comemoração. Ela se perguntou o porquê e a criança, beirando os cinco anos respondeu com austeridade, “Para tentar unir os dois mundos que me cercam.”
É impossível dizer o que passava na cabeça da criança na comemoração: olhos marejados olhando para o bolo precariamente preparado e para lindas imagens de uma torta de maçã que passavam na TV. As crianças de barriga saliente e pele castigada pelo sol, divertiam-se com a intocável torta e o tangível amontoado de glacê. A mãe, admirada com a ausência de balão e o excesso de alegria, pediu para que toda diferença e pobreza recebessem um ponto final, mas infelizmente essa história receberia apenas vírgulas, como muitas outras.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Não foram apenas os outonos e primaveras
Nem aquelas chuvas de sentir o cheiro da terra
Enquanto eu fingia entender futebol
Foi apenas estar ao lado de alguém de realmente existe,
Que não deixa que existam por ele.

Parece que os segundos correram
E o tempo de rir brigando acabou
Hoje, não sei se o perto do dicionário é o mesmo.
Sinto estar ao teu lado como sempre estive
Na cama de cima
Escutando, rindo, chorando.

E se o tempo passou, não foi culpa nossa.
Por mim, tudo que é teu seria eterno:
A tua risada, tua bagunça, teu jeito...
Cresci, mas continuo o mesmo.
Aquele que te espera pra contar da vida,
E até mesmo coisas sem importância
Sempre será assim

Acordo no amanhã esperando ser ontem
No tempo em que a noite levava as preocupações
E a única responsabilidade era ser irresponsável.
Inseparáveis, diferentes, o que for.
Somos isto, e para nós, isto basta.






Ao melhor irmão.

domingo, 5 de abril de 2009

Até que ponto ser transparente é favorável à existência? Muitos jogam aos ventos o fato de ter uma personalidade aberta, com características triviais, o que garante a sua invisbilidade aos filtros sociais e ao bombardeio de pensamentos alheios. Até que ponto dar atenção ao que os outros pensam é construtivo? Tudo bem que o ego é um balão cheio de sopros alheios, mas vale a pena ser um ventríloco da sociedade? De nada vale achar que o mundo é um berço acolhedor com almofadas púrpuras e cheiro de jasmim, ele será sempre um reflexo dos atos. O arrependimento nunca será construtivista, às avessas disso, apenas corrói e destrói, corrompendo ideias invadoras e prendendo a mente naquela mesmice atemporal. Passa-se a viver, então, o passado no presente, esquecendo do futuro pondo fim ao ciclo "normal". Passado a presente, quem sabe, futuramente, valha a pena pensar no que passou e por fim sorrir. Sorrir, sorrir e sorrir, há algo mais transparente? A falta de transparência, normalmente, vêm aliada à falta de eloquência e auto-compreendimento, uma acarreta à outra. De que vale saber da vida alheia, se o coração que bate no interior não segue o ritmo da mente, não está em sintonia com os passos, abraços, beijos, suspiros... Viver uma vida montada não tem a mesma graça que montá-la ao longo da vida. Fica claro que o atalho nem sempre é o melhor caminho a ser seguido e sozinho ou não, é sempre mais vantajoso ser o que se é; se isso agrada ou não aos olhos de quem vê, é só um detalhe, se detalhes soltos construíssem conceitos todos odiariam o cheiro da rosa, a cor das pétalas, admirariam apenas o conjunto. Conte, quantas pessoas usam perfume de rosas? Transparente, opaca, fumê, o que for, da personalidade, em sua essência, só se tira o mesmo para todos: os princípios. Estes sim, geram conceitos, que promovem julgamentos e debates que movem o mundo e trazem à tona a necessidade do tal "minha vida é um livro aberto". Um cilco. Excluidos ou não, cá estamos os intimistas à espera de um lugar ao sol da igualdade.




São conversas, com diferentes pessoas, de diferentes estilos e gostos que fazem de frases soltas uma realidade, assim como essas metáforas filosóficas. Não adianta, nunca nada será tão complexo quanto o pensamento humano. E desculpe, se a coerência não for presente no texto acima, afinal, ele não precisa dela é apenas reflexo de atos.

sábado, 4 de abril de 2009

Casar sempre foi o sonho de Carol. Seus olhos verdes brilhavam quando via nas revistas do salão, os vestidos das famosas “O meu será como esse, ninguém copia ein?”, toda semana ela dizia isso, escolhia um novo vestido, uma nova igreja, novos padrinhos... Muita idéia ela tinha, faltava-lhe apenas marido, afinal, quem precisa de um namorado para casar hoje em dia? Com um batom vermelho carmim nos lábios finos e o vestido turquesa que ganhara de um ex, saiu à caça, e como diria sua amicíssima manicura, Carla: “Os homens mudaram muito”. De fato, exigem mais cuidados, mais frufrus, como é difícil casar. Já foi a época em que Carol chamava atenção de todos, hoje, beirando os 40, anda cada vez mais preocupada com seu corpo que já não é mais tão torneado, nem sua pele tão esticada, apesar de gastar um quinto do seu salário em cosméticos todo mês. Falando em salário o dela não é ruim não, vive em um apê num bairro ótimo, vista para o mar da área de serviço, o que estraga é a falta de independência. Carol mora ainda com os pais “Não estou preparada para sair do aconchego de mainha”, o mesmo discurso, desde os 17. Alguém assim consegue marido? Pensou inclusive em ser freira, mas não sabia em que Deus acreditava, no do pai ou no da mãe. Seu pai era budista, a mãe espírita e Carol católica por influencia de sua avó paterna, nesse caso, Deus não era a solução. A solução na verdade era provar que o que vale é o interior. Apesar de ser de meia idade, Carol era muito inteligente, o que chama atenção de uma parte dos homens, pena. “Esses não gostam da fruta”, Carla sempre dizia, triste generalização, isso fez Carol desistir dos intelectuais. Carol já foi de todos os tipos, do jeito que Martinho da Vila gosta: loira, ruiva, de cabelos longos ou curtos, lisos ou crespos, morena ou branquela... Coitada, nem assim conseguiu alguém “Vou achar a pessoa certa, em algum lugar, vou achar”. Segundo seu guru pessoal, o grande amor de sua vida estaria preso por algum motivo no outro lado do mundo, precisava libertá-lo. Carol já havia feito tanta coisa, que acreditar em um guru seria o mínimo depois de enterrar cuecas. Por que não? Pode ser que sim, no Japão quem sabe, um mundo evoluído, Carol era uma mulher moderna. Lá foi ela, juntou as economias e foi conhecer novas culturas e de quebra o amor de sua vida. “Volto com um japinha meninas” Dito e feito. Um esteticista japonês, atraído pelas rugas precoces de Carol, veio montar uma clínica na cidade, não achou marido, mas aumentou o salário, que aumentou o investimento em cosméticos, que aumentou a beleza, que aumentou o número de revistas de casamento, que aumentou o sonho... Foi bom ir para o Japão? Mal sabia ela que o amor de sua vida perdera o avião para o Japão por estar com o passaporte trancado, e um desses só se encontra uma vez na vida e outra na morte... Pobre Carol, “que a terra lhe seja leve”.

sábado, 28 de março de 2009

Ele sorriu. Ela também. Era bem ali que queriam estar apesar do barulho estridente da tempestade recém começada e o frio de início de julho. As bochechas rubras da moça dos cabelos encaracolados denunciavam a situação de ambos: loucamente apaixonados, um pelo outro. Apesar da certeza dos sentimentos, este amor enquadrava-se em uma definição de pseudoplatonismo, não muito usada, nem muito praticada nos dias atuais. Pelo gostinho de mistério, tanto ele quanto ela, não queriam deixar este estado, que para ambos, era quase nirvana budista. Eles se amavam e isto bastava. Não precisavam de mensagens instantâneas no celular, de depoimentos gigantescos para inglês ver, nem ao menos adicionados eram na lista de amigos do tão famoso MSN. Era apenas ali, no ônibus, com catraca, passe, cobrador e calor.
A chuva era forte, mas não mais forte que o amor. Amor, segundo algumas definições, pode ser o fogo de ardência invisível, ferida dormente, e outros milhões de sonetos auto-explicativos da palavra amor. Para ele, não havia Camões, Bilac, Drummond ou Cecília, o amor era ela e para ela, o amor era ele. O cobrador se perguntava o porquê, mas não havia explicação, um explicava a condição do outro e o motorista, alheio a tudo, dirigia a sua grande Mercedes ouvindo Reginaldo Rossi no seu walk-man. Ali, um olhando para o outro seguiam uma viagem pinga-pinga, “adoro quando ele levanta os óculos”, “Hoje ela está com um perfume novo”.
Os sentimentos são como fumaça: sabe-se da existência deles, mas não se pode tocá-los e quando se tenta tudo esvai por entre os dedos. O guarda-chuva estava molhado, ele também, quando ele desceu, a moça sentiu gotinhas de amor em seu rosto, parecia ter tocado cada centímetro de seu corpo.
Chegou a terça e ele não, a quarta também sozinha não trouxe recados, a quinta e a sexta preferiram não citar o rapaz. Sozinha, sentada, a moça não sabia como seria passar o sábado e o domingo sem a imagem do rapaz com seu casaco de sexta-feira, preferiu imaginar que algum parente próximo havia morrido e que ele estaria de licença. “Coitado...”, pensou. Duas semanas se passaram e a licença não acabava. “Acho que entrou de férias”. Passado um mês, ela foi com a melhor roupa, mas mais uma vez a terça-feira não trouxe seu amor. Todos os dias úteis, lá estava ela, no mesmo banco, às vezes de verde, às vezes de vermelho. O cobrador havia percebido a falta, tentou ressarcir, passara a usar Gel nos cabelos e um perfume que ele havia comprado na lojinha de R$ 1,99 da sua irmã. “Bom dia, moça! Seu amigo adoeceu?”, “Que amigo?” (fazer-se de tolo é sempre uma boa saída). Ela não gostava de dentes de ouro, o cobrador tinha três. Nada adiantou.
A idade chegou e junto com ela os cabelos brancos e a dispensa do serviço. Sem filhos ou parentes próximos, passava as tardes dentro do ônibus circular, esperando o que, ou quem, não voltaria mais. Seus dias eram sempre cinzas e toda aquela história de amor indolor ela preferia esquecer, amassar e jogar no lixo com os tíquetes de ônibus, sempre usados.




Ps.: Obrigado pela ideia do final, tá?

quarta-feira, 25 de março de 2009

Causos de um desafortunado

Hoje foi um dia em que nada deu certo, quebrei a escova de dente, machuquei a gengiva com o fio dental, acabou o papel higiênico bem na minha vez, o pão virou carvão na torradeira, perdi o ônibus, não tinha dinheiro para táxi, o pneu da bicicleta estava furado, cheguei atrasado e fui demitido. Já estava por um fio na empresa mesmo, mas isto não significa que não queria tê-lo agora, o aluguel vence amanhã e minha conta bancária está sempre com vergonha, vermelha, encabulada com a quantidade de dívidas.
Pelo menos descansei, trabalhar quatro horas diárias é muito exaustivo: gente chata, café ruim e telefone insuportável. Quatro horas? Muito tempo! Deveria receber um prêmio por ter agüentado seis meses. “Lá vai o caranguejo dos empregos”, pensam meus inimigos, mal sabem eles que é tudo proposital, só quero experiência em várias profissões.
Quero enganar a quem? Entrei numa pindaíba sem fim! Será que é vergonhoso voltar para casa da mãe aos 35? Ao menos o cachorro quente dela é melhor que este do Zé Dogão, tirando a berinjela recheada com vinagrete e choio, mamãe cozinha bem.
Melhor esperar aquele concurso público... Seis horas de trabalho diário e só o quádruplo do meu antigo salário, não, mais fácil esperar, ainda mais no Brasil, sempre tem um bom emprego, impossível não ter um pra mim, logo eu, tão trabalhador e responsável.
Vou voltar para casa e aproveitar meu último dia de aluguel. Claro que vou a pé, gastei o dinheiro do ônibus com o Zé dogão. A ração do Napoleão acabou, vai comer o pão de ontem, melhor, da semana passada, o de ontem assado com óleo usado fica uma maravilha. Sorte eu tenho, apesar de hoje ter sido um dia de cão, vou ligar para a minha melhor amiga, a moça da operadora de celular, sempre informa meus créditos, mesmo que inexistentes. Isso que é amiga de verdade. Até mesmo em dias tempestuosos, sou bem atendido com um “Bom dia, seja bem vindo a nossa central de atendimentos”, ao menos lá sou bem vindo.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Como pode um guarda guardar todo o sol, ou a chuva, ou a roupa? Complicado isso. Muitas pessoas dizem que os sonhos não significam absolutamente nada, são reflexos de uma mente que até descansando precisa estar ativa. Pensa bem, se sonhos não significassem nada não teriam esse nome, certo? Seria mais fácil denominá-los de filmes noturnos ou qualquer coisa que o valha. Ah, o português e essa multiplicidade de sentidos para uma única palavra. Gosto de acreditar no sentido figurado das coisas, o literal é limitante, excludente, não deixa aquele gostinho de subjetividade. E se "toda rosa é rosa porque assim ela é chamada" temos o poder de construir, mas não essas construções faraônicas de presidentes loucos por uma reeleiçao, construir conceitos, feitos, ditos. Quem disse que caminhar infindáveis quilômetros traz cura ao enfermo? Quem disse que quando a lua tem um círculo de luz abraçando seus raios é sinal de chuva? Quem disse que ler isso faz bem pra pele? Quem disse que babosa é boa para acne? Quem disse que liso é certo? Quem disse que homem é homem? Quem disse que mulher é mulher? Quem disse que o normal é normal? Quem disse que os lactobacilos são vivos? Quem disse que a TPM não tem cura? Quem disse? Viva a figuralidade, a deformidade das definições, oras bolas.
A destruição exalava o cheiro da morte e não leve, leitor, este fato no sentido figurado. O podre odor que apanhava as narinas de surpresa era dos cadáveres que em vida, pagaram pela ambição alheia. Em meio a tudo aquilo, a menina olhava para a frigidez do rosto de sua mãe, sem roupas, jogada entre outros corpos, com olhos de vidro, opacos e distantes. Por mais que a menina quisesse chorar, não conseguia. Queria gritar, ir com sua mãe para onde quer que aqueles olhos estivessem olhando, a raiva não a deixava chorar. As vestes já surradas os sapatos gastos, o perfume perdido em olfatos desconhecidos, essa não era a festa que ela esperava. "Filha, vou colocar em você o melhor vestido, o melhor perfume, o melhor laço, hoje é um dia muito importante!" É, de fato foi, mas não no sentido em que a mãe esperava. A menina sozinha fazia contraste com a multidão inerte na sua frente, apesar de viva, não se mexia, não queria, não fazia questão de demosntrar vivacidade, mas afinal, mostrar a quem? Sua mãe sempre dizia que era preciso estar linda para os outros, falar bem para os outros, tocar bem piano para os outros... Agora, a menina só queria fazer tudo para uma única pessoa, cujos aplausos nunca serão ouvidos. Ao longe via-se a imagem da batina, flamejando como bandeira, um estandarte de retidão. "O que viera fazer aqui? Admirar a desgraça, jogar umas gotinhas com um galho de alecrim e dizer que tudo e todos estão perdoados e salvos?" Engraçado. A situação impõe uma maturidade muitas vezes impensada, a menina que outrora só brincava de boneca e nutria predicados para um futuro, muito futuro, casamento, tomava vezes de mulher e como heroína excomungou o padre, a fé, a água benta, a vida. "Maldita seja essa água, essa batina, nada trará minha mãe, nem o seu perdão ou a falta dele!" Aos berros, a criança correu para longe. Não queria estar longe da mãe, o contrário disso. A partir daquele dia, sabia que sua mãe estaria em qualquer lugar, onde ela estivesse, onde ela quisesse estar. E se a Guerra quebra laços, perde amores, causa dores o pós guerra tem com sinônimo a carência, a necessidade de esperanças. Não sei se foi a flor em meio aos destroços tranzendo a lembrança da corrente primavera ou aquele cachorro que acompanhava o cheiro de perfume gasto desde a última esquina, a menina, agora quase mulher por obrigação, abraçou a vida solitária qurendo ser... não ser igual a mãe, nem aos quais têm estampado no rosto o motivo da Guerra. Percebeu que o mundo não precisa de cópias, precisa de revoltas de pensamento, de idéias e princípios, pois os antigos, para ela, ficaram dentro das covas daqueles que ainda acreditavam na melhora vinda dos céus.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Falta um pouco de ética para a ética humana ser totalmente ética. Não que esse substantivo, que pode ser adjetivado, seja extremamente importante para as relações interpessoais, tome nota, não é relevante para um relacionamento harmonioso e saudável, qualquer briga pode e é considerada um relacionamento, conflituoso, mas um relacionamento. Não gosto de falar sobre relacionamentos, apesar de o efeito deles me interessar, o que causam, porque existem, até onde vão... Relacionar-se é aprender a esquecer a solidão e se ser solitário já passou a ser um objetivo de vida, ah, relacione-se consigo mesmo, dê bom dia para seu dedão do pé, ofereça café para o calcanhar, interesse-se por cada póro, cada pêlo, eles têm uma história a contar. E se depois de todo essa volta ao redor do mundo que se chama umbigo ainda restar a vontade de ficar só... Procure ajuda. Precisar ser ajudado não é algo humilhante, muito pelo contrário é totalmente...ético. Ético no sentido da palavra, para um melhor convívio em sociedade, trate seu lado fraco, nutra suas fraquezas para que elas se tornem fortalezas e nesse momento não tenha vergonha de ser egoísta, por trás de todo altruísmo sempre tem gotas de egocentrismo, mas na medida certa. Quanto é a medida certa? Quanto ou quando? Ah, qualquer coisa basta. O pior de tudo, é que tudo acaba com um ponto de intorrogação.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Ri de mim mesmo. Chovi durante dias uma chuvinha de verão. Já me perguntei várias vezes o porquê das definições impostas a nós desde sempre. Particularmente, não vejo sentido para algumas delas. A torta, por exemplo, recebe um nome disforme enquanto os confeiteiros caprichosamente tentam fazer daquela "torta" a oitava maravilha do mundo. Definiu, não definiu? A torta, mesmo sendo torta, não é torta e se há algum aniversário com uma torta realmente torta, significa que o aniversariante não quer ver o tempo passar, não é feliz em envelhecer, quer ter uma velhice torta. Por falar em velhice, tá aí outra coisa que não entendo, não que seja uma definição, mas velhice é um estado ímpar. Assim como na infância, o "acometido" (se é que se pode dizer issim) acostuma-se à banguelice e aos passos trôpegos, livra-se das responsabilidades e volta a ver felicidade onde um adulto "normal" (normalidade? só no dicionário) não veria. Ao mesmo tempo, espera a morte. É, não que nas outras idades ela esteja distante, mas alguém velho tem a morte como um próximo passo, sempre acha que está com "meio caminho andando". Mas não acho que seja o momento de falar dela. Definindo a morte, mesmo que isso seja contraditório ao resto do post, daria a ela a definição de mãe, pai, braços, cajado, terra, caixão, flores, velas, luz branca, calor... É tanta coisa numa única palavra que nem vale a pena discorrer. De fato, definir é sim o meio de sobrevivência de algumas pessoas e quem sou eu para contrariar? O Dicionário, por exemplo, está cheio de definições, mas convenhamos, quem as segue? Segui-las-ia caso fosse propício, todavia, a inocuidade dos vocábulos nos faz crer que somos donos da língua. Por isso, que se dane ênclese, mesóclise, próclise, verbos, artigos (definidos ou não), substantivos e toda a família do Aurélio e Houaiss, quero mais é viver as minhas definições, mesmo sendo essas um pouco tortas.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Parece mentira ou armação, mas tudo que faz bem vai cedo e o que irrita, fica. Ali, parado, remoendo brincando de contorcionismo com os sentimentos, dobrando as dores, entortando os amores, o agente causador das lágrimas parece ser um verme contagioso. Apesar de muitos confetes e serpentinas espalhados pelo chão, o que agradou já foi e não volta mais. Na realidade, a questão é se adpatar às mudanças, mas como bactérias, estas vêm cada vez mais complexas com um pedacinho diferente ainda não conhecido. Vamos brincar de montar o quebra-cabeças então, peças compatíveis seguem caminhos parecidos, permanecem juntas no tabuleiro. Por via de regra, as diferentes unir-se-ão as suas semelhantes e que isto não seja visto como métedo segregativo, às avessas disso, a união das peças "ímpares" traz à tona a questão da singularidade plural. E se quem lê ainda é adepto aquela famosa frase "os opostos se atraem", não se esqueça que a mesma só vale para regras físico-químicas que se aprende no colegial, fato.
Nosso cérebro se costuma com o habitual (o que não deixa de ser uma redundância), a estrada que se caminha todos os dias já não é mais estrada é apenas um caminho, não se vê as flores, as pedras ou o céu. Mecanicamente os passos levam ao destino sem nem ao menos perceber a transparêcia da felicidade. Somos camuflados, escondemo-nos em nós mesmos, e como em uma guerra, batalhamos por objetivos alheios que pensamos ser os nossos. ACORDA! A vida não espera um textinho a ser decorado e nem existe a tal repetição da cena um. Sozinho ou acompanhado, de calça ou bermuda, longos ou curtos, pretos ou brancos, as antíteses nasceram pra trazer o livre arbítrio e se há um objetivo de vida para elas com certeza é pôr dúvidas onde não se precisava ter. De fato, alguns dos seres não nasceram aptos à direção, não sabem comandar o leme, perdem-se nas ondas... ondas? Ondas sonoras, ondas eletromagnéticas, enfim, essas ondas que tomaram conta do mundo. Vê-se coisas, lê-se outras, escuta-se mais ainda e se de tudo isso não restar nenhuma informação suficientemente capaz de proporcionar uma escolha, não adiantará de nada acreditar que o livre arbítrio ainda te pertence, aí só resta ser sombra dos outros. De veras, não vale o esforço viver do passado, mas é inegável que ele conforta, faz bem e dá vontade de prosseguir, porque se depender do presente... É melhor então, esquecer do tempo, das suas armadilhas e brincar de ser feliz.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

É, o negócio é aproveitar cada segundo. Chegará um dia em que os sorrisos não serão tão sinceros, as palavras não serão mais despidas de preconceitos e o amor... infelizmente mudará. A teoria da relatividade deveria ser mais auto-explicativa (hífen até 2012), o tempo e o espaço definitivamente nasceram juntos, mas como Romeu e Julieta não podem permanecer unidos, o que é uma pena.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Aposto o oposto
que do posto, mesmo com aposto
Nâo se vê o rosto
De quem esconde no encosto
A esperança do anteriormente proposto
Encontro de rosto.
Acho que prefiro agosto,
mesmo que não exposto
o calor de agosto
faz bem para um coração deposto,
de um último entregosto
do seu até então, mesmo que suposto,
malposto, composto e justaposto amor.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O suspiro pode ser doce, assim como o sonho, mas não falo desses que se compra, refiro-me aos roubados, encontrados, sentidos e proporcionados... HA HA HA, mas não eu. Acho que só gosto dos verbos intransitivos, aqueles que não precisam de explicaões. Explicar, explicar e explicar, às vezes cansa só pensar na resposta da pergunta que nem ao menos foi feita. Olhando as pessoas na rua, a gente percebe o quanto somos pequenos perto de uma imensidão, não falo isso para entrar na mesmice literária de cronistas e colunistas de periódicos viciados em sua rotina, na verdade essa minúscula magnitude é válida apenas para pensar. Na prática, de que vale saber da grandiosidade alheia? É muito mais fácil andar por aí, olhando para seu próprio All Star, chutando pedrinhas, catando latas, mas a questão é que nem sempre o fácil é conveniente e habitual, facilidade não é o melhor caminho para todos os destinos. Levante a cabeça, rapaz! Abre esse sorriso cheio de dentes e veja se essas portas não se abrirão, com sonhos, suspiros, ou nada disso.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Desfez os nós de incerteza, despiu-se do medo e caiu nas profundezas de si mesmo.

Esqueceu que nada é mais forte do que a própria consciência ou que da vida não se espera nada além de viver esperando algo que não chega? É sempre assim, pode perceber. Uns querem ganhar na loteria, fazer mil planos, mas nem por isso se arriscam de jogar, outros procuram coisas onde nunca vão existir, tipo chifres na cabeça de cavalos, se bem que hoje não se pode duvidar de mais nada, é cada coisa que se vê na TV.

sábado, 24 de janeiro de 2009

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Fechou a porta com toda a força possível, não queria que nada entrasse em sua bolha além das compras mensais. Livros espalhados, latas de cerveja amassadas no canto esquerdo da sala e o jornal do dia já era de muita serventia para o gato, este era o cenário que ele estava acostumado, um habitat perfeito para aquela mente inquieta. Olhou vidrado para o que aquele apartamento havia se transformando, o sofá vermelho que tanto gostara no dia do aluguel, perdera a cor, desbotara e a cadeira de balanço, sem muita serventia, não balançava mais. Entrou com cuidado no seu apartamento, não queria estragar a bagunça “se é pra arrumar, que se preserve esta mesma bagunça até o dia da faxina”, pensou.
Não era um mês legal. Fevereiro sempre soou como um mês dispensável para ele, além de ter menos dias, tem o carnaval, pra quê pior? Uma soma de tudo que ainda é catalisada pelo calor, realmente Fevereiro não é uma época muito legal. Infelizmente, além de todos esses desprazeres, fevereiro ainda trazia consigo o aniversário do rapaz, “daria tudo para ter nascido em julho”. Julho, esse sim, é um ótimo mês, frio, rotineiro e pra melhorar, a iluminação dessa época combina perfeitamente com a decoração do apartamento, mesmo que muitas vezes ela esteja encoberta pelas pinturas do aspirante a designer, é, ele pinta, ao menos pensa que sabe fazer isso. Faz design por conta do pai, não por idéia dele, mas custeado por ele.
Solteirão solitário. Parece codinome de sala de bate-papo, mas é a atual condição do rapaz, há séculos não sabe o que é amor, sempre quis casar e ter uma família, em partes gosta de crianças e tirando a parte das fraldas e do choro noturno, acha essa história adorável. Pena que o destino não. Namorou pouco, foi a poucas festas, pouco conversou e pouco se declarou. É inerente ao ser humano expressar-se, no entanto, quem retrai o pensamento em quadros secretos, folhas de papel que não saem da gaveta, ou até mesmo na própria mente vive no ciclo vicioso de si mesmo, junto aos mesmos pensamentos e regras.
Sozinho, mais uma vez ele guardou as compras. Dividiu o espaço da geladeira em dois, um sempre ficava vazio à espera de alguém para preencher com suas necessidades. Apesar de fechado, o designer tinha sonhos abertos. Sempre desenhava uma janela, não aquela pelo qual ele via um mundo cinza, desenhava um lugar onde ele de fato não precisasse de uma bolha de necessidades, um lugar onde independente de ser Fevereiro ou Julho ele fosse feliz.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Este é Miguel, assim mesmo, fraco, pálido, magro e com poucos dentes. Por mais que os tufos de cabelos brancos cismem e sair de suas têmporas, Miguel não passa dos trinta, é mal de família, o tempo é sempre mais cruel com sua linhagem. Conheceu a vida cedo, sem precisar de apresentações já foi tomando o volante. Enquanto deveria estar na escola, passou a maior parte do tempo vendendo doces na cidade grande, sua mãe dizia que este era o negócio do futuro. Futuro, essa foi uma coisa que Miguel nunca viu. Apesar de ter uma vida difícil, a mãe do rapaz sempre dizia que um futuro melhor estaria à espera, de braços abertos, com confortos e luxos que só se via em jornais, como a velha se enganara... Miguel esperou esse tal de futuro a vida toda, mas sua condição foi apenas piorando, ele precisava mesmo conhecer o futuro, não desses de filmes nem novelas, o futuro de sua mãe. Coitada, a mãe de Miguel morreu cedo, vítima de uma tuberculose, por pouco o menino também não morrera, mas por muito menos ainda ele vivera. O pai que nunca conheceu surgiu do nada, trazendo uma luz de futuro com o seu sorriso dourado muito bem combinado com uma camisa de seda colorida e a calça slack, como Miguel sempre sonhou: uma pessoa de verdade. Mas a verdade é que Miguel ficou escravo do próprio pai, que o fazia trabalhar por biscoitos salgados e água , acabou voltando para as ruas. Nunca casou, via que para casar precisaria de uma casa, mas ele nem sabia o que era isso e mesmo assim, para suprir suas necessidades de macho, embuchou uma menina e quis a morte da criança, “não é culpa dela” gritava a menina que a passos rápidos adentrou na escuridão, Miguel sabia: aquele não era o caminho para o futuro. Hoje ele ainda vende doce esperando que tudo melhore e que a vida tome a doçura dos caramelos. Espera que a chuva lave sua vida e mostre o verdadeiro caminho para o futuro prometido por sua mãe, é uma pena... De tanto procurar ele se perderá e nessas andanças já não saberá mais o que é viver e o que é sonhar.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O calor em seu rosto denunciava seu estado, bem como o tom rubro das bochechas, esta transparente condição humana insiste em não permirtir mais o platonismo. Mônica nunca viu as 18h demorarem tanto para chegar, era como se meia hora tomasse o lugar de um século. A moça corada viu moscas exageradamente grandes travarem brigas, a mecanógrafa bater na máquina de xérox revoltosamente, mas não via o tempo passar. "Onde está o botão do tempo?" pensava sozinha. Toca o sino, sai correndo, bate o cartão, pega a condução, chega em casa, toma banho, põe o perfume de maracujá junto com o vestido verde água. Sentada no sofá de onça, mais uma vez vê o tempo passar sem de fato querer, passou as 20h, e nada do motivo da vergonha constante chegar. "Será que não me quer mais? Não sou legal o suficiente? Acho que ele não gosta do meu cabelo" Tantas perguntas sem respostas para a coitada moça, ali sentada ao som de uma música brega-chique, bem ao gosto do rapaz, inalava o incenso de baunilha vorazmente esperando nele o cheiro do seu amor. A noite deu motivo para acender a luz, mas não de dormir. Acordada ficou e a essas alturas já virara amiga do tempo, com ele esperou por toda a vida não ser a outra. Pena, esse era seu destino. O odor de maracujá de seu vestido havia virado baunilha, as lágrimas lavaram seu rosto, mas não sua esperança "Quem sabe amanhã, ele saia mais cedo e venha de verdade... Pode ser que não me queira mais, digo que estou grávida?" A solidão não cria crianças, mulher!
Hoje acordei meio Holden Caulfield, questionei essa minha existência adolescente, essa minha condição de incerteza. Deu vontade de sair correndo, de dar explicações para todos, mas pra quê? Não devo satisfações a ninguém, na verdade nem a mim mesmo. Acho que essa minha mania de temer a opinião alheia em certos assuntos me consome, preciso ser mais descansado, pra não dizer desleixado quando se trata de minhas ações. Na verdade, isso nem é um desabafo, acho que esses pensamentos já estão por demais estampados em meu rosto.
Parece que o mundo todo vai contra os pensamentos, nadando contra a maré. Cansei das metáforas, mas não consigo largá-las, ô vida, ô azar.
Amizade é algo que todo mundo deve experimentar um dia, faz bem, renova e ainda por cima cura as mazelas do passado que tanto fazem mal. Sempre que possível, é ótimo para a saúde mental reviver momentos com os amigos, e criar novos também. Se os Beatles já diziam que tudo que se precisa é o amor, por que contrariar? O amor pode vir de várias formas, como beijo, carícias, olhares, arrepios, tremores de perna, mas esse não é o sua forma primitiva, digamos que esta seja uma maneira evoluidinha de amar. O amor é além de tudo o elo entre pessoas, que transforma secas expressões em carismáticos sorrisos, palavras que trazem a felicidade camuflada. Rir até chorar, vislumbrar algo maravilhoso... a lista é grande, aprendi com o Jack Nicholson ontem num filme, penso que este seja o verdadeiro amor, sentir-se bem acompanhado mesmo estando sozinho, esquecer da solidão e andar de braços dados com a certeza. Amar é difícil, dinheiro nenhum paga, aliás, nem sei o que o dinheiro compra, tudo não passa de supérfluos que ostentam um ar de necessidade.
A gente nasce amando, é algo inerente ao ser humano, o olhar materno e o aconchego do pai, quer amor maior que esse? Estou bem de amor, por hora, não preciso da sua mais carnal variante.