sexta-feira, 27 de novembro de 2009

No mundo onde fui criado
o mundo era a causa
no mundo que criamos
o mundo é o efeito
efeito feito confeito
doce Carolina, do teu jeito.


Quando questionada sobre o amor, ela sempre baixava a cabeça e dizia não ter tempo. Até que o moço da pastelaria percebeu que seu sorriso mudara, o taxista notou o brilho novo no olhar que, em épocas anteriores, beirava uma constância de opacidade. E o dia mudou, a vida sorriu e a moça também. O céu agora era mais azul e as flores surgiram. Um novo mundo.
- Alô?
Agora ela tinha quem respondesse. E pela certeza da resposta, ela se atrevia a ensaiar novas frases, que entralaçadas ao sentimento descortinavam uma parte da moça que nunca havia aparecido, um vocabulário que ela não imaginava ter, uma pessoa que ela nunca havia pensado em ser. E palavras surgiam de sua boca, pensamentos jorravam de sua mente em congruência aos dele. E quem diria, existia, de fato, uma moça por trás da carranca do cotidiano, existia sentimeto por trás dos cinco graus de miopia.
O que era único tronsformou-se em duplo: escovas de dentes, toalhas de banho, bolachas, uma vida regrada a dois corações ritmados em uma mesma frequência, entretanto, mesmo que sazonal, os encontros se faziam plenos em suas perfeitas limitações. A moça passava a descobrir quem era.
As goteiras faziam vezes de piano e embalavam a conversa que adentrava a madrugada, a voz firme do rapaz a fazia suspirar e com suas próprias mãos ela ia descobrindo as texturas do seu corpo, deslizando por seu mundo. A face, acostumada a ser cortada por lágrimas, estranhou o fino toque das mãos, as quais ganharam um tom róseo nas unhas e mesmo que de forma desajeitada, sem cutículas.
De olhos fechados, com o telefone do lado e o ego elevado, ela olhava para o teto como quem vê o mundo. Naquele momento ela não precisava de olhos, via o que queria ver através das lembranças que mudaram sua retina, que a curaram da sua miopia convencionalista de ver o mundo como ele gosta de ser visto.

domingo, 22 de novembro de 2009

[da maçã envenenada de futuro/presente]

Indo ao mercado, às pressas, correndo contra o relógio, um engravatado escolhe uma maçã argentina pela cor, pesa sem olhar nos olhos do funcionário, pois está lendo o jornal, e se dirige ao caixa para pagar as compras. Dentro de um curto espaço de tempo e lugar, as relações possíveis são impedidas pelo modo de vida contemporâneo, o sorriso para o moço das frutas foi trocado pelo bombardeio de tragédias do diário que o homem trazia nas mãos, o qual nem imaginava quem havia plantado a maçã que ele comia como café da manhã.
Por mais estreitas que as relações aparentemente sejam ou estejam, elas estão divergindo de forma que, involuntariamente, o homem moderno, engravatado ou não, vê-se solitário mesmo em meio a uma multidão e as informações que são trazidas multidirecionalmente pela massificação da mídia são mais relevantes que as trivialidades essenciais. O verde perdeu o tom, a música também. O que se ouve é buzina e o que se vê é fumaça.
Sem dar tchau ou obrigado, o moço da gravata se dirige para o carro comendo maçã, saíra atrasado e não queria comer demais para não pensar de menos, coisas da rotina. Dentro do carro, copos vazios de café, numa noite queria prolongar pelo trabalho, na outra também, e na outra, na outra, na outra... No retrovisor, sem perceber, forma-se a imagem de quem ele é: empresário, rico, solteiro, com olheiras e rugas aos 30. O mundo envelhece pensando no futuro, quando na verdade era ele que deveria trazer a velhice, se não ela, o que o futuro trará? Atemporalidade, o mundo parece transpirar uma idade atemporal. A Eva da sociedade não resistiu, comeu a maçã.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

:
e digo não.
ela olhou com firmeza para onde, frequentemente, dormia seu marido. Não tinha mais forças para pedir um retorno, de fato não o desejava. Por mais que anos cheios ao lado de uma pessoa vazia a fizesse feliz em certos pontos, naquela tarde cinzenta dentro do metrô ela se via livre. Sem ter que cozinhar ela comeu o que tinha, lembrou-se de esquecer de lavar a louça e não passou o creme que rotineiramente e com capricho passava na face, não precisava mais ser bela aos modos dele. Pensou em fazer desenhos na pele, colocar brincos além dos convencionais, pensou em de fato aproveitar a juventude que lhe escapara pelos dedos, o anular em especial.
Mergulhou pela primeira vez em seu mundo. Descobriu que gostava de Ballet, que amava Mozart eu que achava Tchaikovsky agressivo, gostos que foram surgindo a medida em que ela adentrava nas suas próprias profundezas.
E o telefone dizia "Maria, eu te amo", ela respondia para ela mesma "Também me amo agora". Jogou o batom rosa-bebê no lixo, ele gostava, ela não. E se ela de fato fosse uma certa magia, uma força divina que nos/se alerta, ela acordou pra vida com a força estranha que vinha do rádio. Se o telefone sussurrava que a amava, o rádio gritava a sua força de viver e não apenas o Nascimento do Milton, foi o nascimento da Maria, a Maria que nasceu foi criada para casar, casou e descobriu que não havia nascido para isso. Amar... a intransitividade do verbo abria a possiblidade de amar ao mundo, à vida e a ela mesma. amei, amou, amarei, amará. Tempo que for, as lágrimas de Maria não mais seriam um nome escorrendo pelo seu rosto, seriam, a partir de agora, palavras de sua felicidade.