sábado, 20 de agosto de 2011

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Acorde. Olhe para a janela e veja que além dela não existe nenhum sol que não o seu. Porque toda essa falta de graça vem da tua óptica escassa de não perceber o que é meu. Deixe que a ferida queime, que a dor se faça. Cale a tão distante farsa, ela não é mais daquelas que se teime. É uma sóbria mentira da vida estranha de ser caça. Maldita hora que se retira a mágoa e surge a desgraça de um olhar perdido. A solidez de um horizonte que pira traz a fluidez de um presente maldito na boca de alguém vencido. Durma. Olhe para a sua janela e veja que dentro dela não existe mais um sol que não é seu. Tal qual Perseu, leve à Medusa a mudez da manhã inexistente e sorria pela força petrificada de um olhar que outrora era opaco e carente.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A música era boa. Não era apenas possível falar do que ia aos ouvidos. Na verdade, era uma efusão de sentimentos que levava à insanidade limítrofe do aceitável socialmente. Sociedade? Nada importava, absolutamente nada que estivesse fora daquele mundo, uma nova realidade que brincava de ser ou não ser com o imaginário idealizado daquele rapaz. Ele nunca fora muito de acreditar na vida, mas naquele dia, os olhos de outrem fizeram renascer nos seus algo que há muito havia sido perdido e ele nem ao menos tinha noção disso: da existência de algo, da negligência e da corrosão do próprio eu que isso causa.
No chão, parado, o rapaz se viu como um feto no ventre materno. Na posição da origem biológica do homem cultural, ele se percebeu. Cada centímetro do seu corpo era invadido pela música que tocava lentamente como algo sólido. Estranha essa relação que ele tinha com a música. Era como se tudo fosse a primeira vez, excetuando seu contato com aquelas notas musicais. Não é fácil e nem tão pouco complicado explicar o sorriso daquele moço quando tomou conta da sua falta, da sua própria ausência e o paradoxo que isso implica é tão atraente quanto parece; ele de fato não era o que estava sendo. Era um sorriso que brincava de ser alegre e triste com o tremor dos músculos no canto da boca. Era a movimentação involuntária de algo que pertence apenas ao mundo das ideias. Ele percebeu que não tinha nome, casa, número de telefone ou roupas para usar. Tudo era muito novo a ponto de ele não conseguir mais se reconhecer. 
Levantou. A firmeza quase sólida dos seus joelhos o fez rir. Como? Assim, de súbito, ele queria sair correndo para sentir tudo o que poderia com aquelas milhares de células receptoras que ele não sabia ter. Ele não sabia de nada. Era o cúmulo da ignorância e mesmo assim sorria. Patético. O mais incrível é que ele parecia ter noção de toda sua babaquice e não se importava com isso, afinal, ele não sabia de fato o que era e rir de si era como rir do outro. Que sádico. É provável que o sorriso que aparentemente bordava no seu rosto um semblante de uma sóbria felicidade fosse, então, o sadismo de quem ri da desgraça alheia.
Desgraça foi perceber o mundo. Tudo estava lindo até que a música parou e o resto - não lixo, apenas a sobra daquilo que ainda não existia para ele: o universo dos outros - tomou a batuta, regendo a sinfonia. Desarmonicamente ele quis voltar ao início, retornar ao lugar onde ele não tinha noção de existência alguma. Muito fácil seria, além de sádico ele é covarde? E foi justamente pensando no mundo que o feria onde ele se descobriu. Era palidamente preso na sua ânsia de ser que, numa transe multifatorial, ele simplesmente se esqueceu da essência, se é que existe uma. Aos poucos ele ia voltando ao chão, abraçando seus  joelhos que já haviam voltado ao cúmulo da fraqueza. Enquanto acariciava seu corpo fraco, que era a expressão máxima da fragilidade, teve noção que ainda usava a mesma calça da adolescência. Era como se o mundo inteiro o levasse, numa questão de segundos, ao futuro onde ele era infeliz, perdido e alguém sem noção nenhuma do que é. Aí o leitor pergunta: é o quê? Simplesmente assim. É.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Perdição perdida


Eu simplesmente esqueci
Caí, assim, como quem corre.
Sim, mesmo sozinho
Fugi de mim.

Lá na frente, em algum lugar
Vi que uma árvore fazia seu papel
Qual, balançar?
Não, ser.
E eu?

Peguei a retórica de outrem
E percebi o que me era particular.
Propriedade engraçada essa coletiva.
O que é de quem é
Só o é pela ausência do não.

O meu, então
É tão teu quanto o teu olhar é meu.
Meu paraíso, meu mundo.
Minha perdição.

Egoísmo poético esse
Quero, tenho, procuro.
Cadê o egoísmo nosso,
Aquele primeiro?
Talvez esteja ali,
Onde sozinho eu me perdi.
 

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Quintaneando

E aqui vai:
De tão leve, perdeu a graça.
Caiu, pobrezinho, no riacho ali perto.
Sozinho, molhou todo o corpinho, quieto.
Era frágil, mas forte.
Dentro de si carregava um mundo inteiro.
E ia passando.
Passou a fome,
A sede e até mesmo o frio.
Mas cantando baixinho, sorria o mundo.
Cantava os versos que não conhecia.

E da janela de um tal hotel.
Alguém brincava de ser Quintana.
Porque só com a leveza de uma brincadeira
É possível não ver a tristeza das passagens
e ver os passarinhos da vida.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011


Na falta do que falar, mais uma vez, tento fazer da metalinguagem minha fuga. Há muito, escrever se tornou uma forma de encontro entre os eus que coexistem em mim de forma que, juntos, traçam um caminho, no mínimo, engraçado. “Pra quem é vivo, não há destino, há trajetória”. Isso me fez pensar muito. Sempre achei que o destino fosse algo que não se explica e, por isso, acabei caindo no comodismo de nunca pensar muito sobre ele. Que grande pecado eu cometi. Desta maneira, eu simplesmente me deixei levar, fui sendo só mais um integrante do fluido obscuro e inteligível que eu chamava de futuro. Com esta simples frase que leva aspas por não ser minha, acordei para o que eu chamo de agora. Percebi, olhando minhas fotos da parede e meu objetivo esquivo da realidade, que tudo o que eu faço é uma projeção de tempos que não são equivalentes ao atual, entende? Como se eu vivesse no futuro enquanto o presente ia vivendo por si. Eu sei, constatações como esta são feitas todos os dias e não há novidade alguma nisso tudo, mas é que, no meu caso, precisei ouvir de um quase-estranho a frase que me fez pensar no meu quase-viver.
E o que tudo isso tem a ver com escrever? Pra mim, muita coisa. Escrever sempre foi algo que não se explica, assim como o destino. Aí me vi num lugar onde eu não queria estar: na dúvida sobre escrever. Será que escrever é realmente isso? Igualando ao patamar do destino, por medo de compreender, eu joguei o que mais me dá prazer à imprecisão. Nunca fui muito fã de textos-desabafos em blogs, mas é como se eu retornasse ao início de tudo para poder encontrar um novo sentido para minhas palavras. Ou melhor, tudo isso pode ser um drama, uma novela que eu construí através de criações dentro de uma realidade distorcida pelo meu ego dissonante, mas é válido (eu espero).
O que me agrada, na realidade, é que essas palavras aí de cima, meu amigo, só vieram depois de muita reflexão, um creme de abóbora e algumas músicas. E é por isso, só por isso, que eu não sigo muito as receitas não. Acho que tudo precisa da dosagem do momento, do que precisa e daquilo que é desnecessário. O bolo/o texto/a conta/o escambau é meu e só os meus e eu podemos dizer o quão insosso está o sentido de tudo. Mas para quê sentido? Faz sentido mesmo procurar sentido para tudo? Quem sabe, o pulo do gato das receitas da vida seja o tempo de espera e o tamanho da pitada de paciência. No limiar da sanidade, então, a gente segue: os eus, os meus, vocês e quem mais quiser.