terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Encontros

O motorista avisou ser o final da jornada, trinta e cinco pessoas, um gato e um cachorro - os quais travaram grandes lutas em seu universo gaiolístico - respiraram aliviados. 
Ao meu lado, estavam uma mãe e sua filhinha catarrenta que não cansou de esfregar a secreção em minha perna durante a viagem, mas quem importa? Por muito tempo fiquei absorto olhando aquela fragilidade potencialmente capaz de mudar o mundo. Realmente uma grande loucura isso de crescer. Vi-me pensando, inclusive, no eu-menino que na década de noventa borboleteou sem saber que um dia chegaria aqui. Enfim, cheguei. Tive que acenar brevemente para a criança, uma vez que a mãe não muito aprovava nossa amizade. Como é insana a vida e seus encontros. Como será o futuro daquela menina? Conseguirá se livrar das garras da repressão e vestir/beijar/comer/abraçar/trabalhar/estudar o que quiser? Não sei, Prefiro acreditar que sim e sendo sim a resposta que me tranquiliza para deixá-la ir, seu nome passou a ser Mariana, cursou história na Universidade (escrevaquiauniversidadedeMariana) conheceu uma menina que fez suas pernas amolecerem desde o primeiro dia que a viu e aceitou que não só de meninos e meninas são feitas as famílias. Não só da diferença é feito o amor, ainda que ele seja um verbo que não transita aos gostos de quem o conjuga. Mariana é vegetariana e apesar de muito tentar não consegue parar de tomar leite e seus derivados. Aí um dia Mariana entenderá que ela precisa comer o que a faz feliz e pela primeira vez (depois da adolescência conturbada, aliás) conseguiu comer um pedaço de pizza sem a culpa da lactose ou da anorexia que a assombrou durante um período. Foram anos difíceis para Mariana, mas ela ainda conseguia sorrir ao ouvir suas músicas preferidas deitada na cama acariciando seu cachorro Zeca, isso sim a fazia bem. E como.
Mariana desceu do ônibus nos braços da mãe e em minha cabeça o presente e o futuro iam de mãos dadas. Preciso ressaltar a bagunça que é a dança destes dois tempos, mas como dançam lindamente a despeito da nossa angústia. O futuro é arredio, não tem muita segurança em seus passos, mas dá suporte para que o presente complete seus movimentos que, por natureza, são firmes. E, assim, a dança segue, Mariana cruza o horizonte e eu permaneço segurando o porvir daquela menina de quem eu só conhecia a textura do catarro e minhas expectativas a respeito dela. O mundo é vasto e cruel e assustador e delicioso e estranho e desgraçadamente difícil: se eu que não a conheço já espero tanto,imagina quem protege até mesmo seu catarro.
Desci do ônibus. Caminhei pela rua e conheci Miguel, Joana, Clara, Augusto, Astolfo, Etelvina e o cachorro Tob em duas esquinas, um destino incerto e um atropelamento. E tal qual Mariana, acompanharam-me em longos quinze dias de UTI nos meus sonhos administrados em via venosa. 

Até que o futuro parou de dançar.

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