domingo, 6 de julho de 2008

Novo outono em Croyland

As folhas caíam como sempre caíram, costumeiramente desgrudavam do tronco e em uma descida coreografada tocavam o chão como uma criança a roubar a cobertura doce e trabalhada de um bolo de aniversário. Milhões ou quem sabe milhares de pontos amarronzados taparam o tapete verde daquele jardim. Agora não se via mais as flores e também as formigas carregando os torrões roubados, era perceptível apenas folhas e galhos secos.
Os pés da criança tocaram as folhas fazendo música de forma única sem ensaios ou bis, mas dentro de sua cabeça nada disso fazia sentido algum, nem o outono que outrora fazia brotar sorrisos voluntários, nem o prazer de partir rigidez das folhas desidratadas. Tudo ao seu redor, apesar de presente e concreto, tomava o lugar das coisas imateriais e os sentimentos passaram a ter garras.
Do alto, bem lá do alto, um homem assistia aquela cena, a cada detalhe uma lágrima em seu rosto se tornava mais pesada a ponto de desabar sem ser desejada, todos aqueles momentos e fatos da sexta-feira não saiam de sua cabeça, era uma eternidade. Ele sabia o que havia ocorrido com o menino, mas não o que havia acontecido com ele mesmo, nem o porquê de estar ali. Era escuro vazio e solitário, apenas ele e ninguém mais.
O menino temia até mesmo o vento, estava sem proteção, mesmo rodeado de fatos, sentia-se solitário, uma parte dele havia ido para sempre segundo aquele homem velho e barbado de cabelos brancos e cacheados que decidiu o futuro de seu pai. Chegou em frente a igreja, olhou para cima, procurava seu pai, queria aquela mão para segurar, procurou também a mãe, mas essa, nunca havia segurado a sua mão, mas ele a amava inexplicavelmente.
O homem já não via mais a criança, de onde estava a luz já não fazia efeito, queria a mãozinha frágil para segurar, queria sentir seu filho ao lado, sentir o outono junto a ele. Dentro de sua mente, paralelo a imagem da criança, vinham as imagens de sexta-feira, mas nada mudava a idéia de que ela havia merecido aquilo tudo, não o menino, ela.
O vento assustava ainda mais o menino, parado vendo as nuvens procurando o impossível, o que já tinha ido embora. Foi surpreendido por um jornal de segunda-feira, amassado, rasgado, como se o conteúdo não tivesse importância nenhuma, mas para ele era o decreto de uma vida solitária. Sobre soluços ele leu, molhando o papel que tinha impresso, além de borrões, a foto de sua mãe deitada, como quem sonha mas totalmente fria e sem sentimento. Acima da foto palavras cruéis: “Homem que matou a mulher em frente ao filho foi condenado com a prisão perpétua, a criança ficará no orfanato São Gustaff de Croyland localizado em frente ao presídio. Até que atinja a maioridade aquela será sua nova casa”.
O outono nunca mais seria outono, para nenhum dos dois.

3 comentários:

Hugh disse...

Eu sabia que não iria perder meu tempo. Você é diferente, único e maravilhoso :)

Gallahad Schneider disse...

Ficou muito bom também essas, essas descrições poéticas são ótimas.

Unknown disse...

pois a dona Amine deveria ter um blog e deixar o recadinho aqui tbm.