terça-feira, 14 de abril de 2009

A criança chorava com sede e fome, a mãe sabia que era hora de acordar. Na cozinha, restos de bolacha, leite e pão, nada mais. O corpo gritava por nutrição e o bolso clamava por ajuda. Na televisão ganhada da ex-sogra, a mãe assistia ao mundo perfeito de seus “irmãos de pátria”. A repórter muito bem vestida, com cabelos perfeitos e sedosos. No espelho da jovem mãe, via-se a imagem sertaneja: roupas doadas, cabelos amarrados camuflando a sujeira.
Paradoxalmente, a mulher dava migalhas ao leite para seu filho, regadas a lágrimas caladas enquanto na TV, um belo bolo de chocolate era ensinado. Facílimo e apenas R$10,00 por porção, com metade disso ela supria as necessidades semanais. “Come com os olhos, bebê”, “Mamãe, no meu aniversário quero um daqueles, meus amigos vão adorar!”. Ele poderia pedir algo mais fácil.
De pés descalços, rumou a prefeitura, onde habitava o fazedor de sonhos do povo do sertão, com toda sua pompa. Não era época de eleição, o poder do prefeito havia acabado após a candidatura. “É só um bolo de chocolate”, retrucava a mãe, “Quem sabe daqui a quatro anos”. Voltou para casa, às vésperas do aniversário da criança, sem presentes, apenas com mais palavras engolidas.
Chegando em casa, a mãe teve que explicar ao filho a ausência do bolo no dia do seu aniversário, não foi tarefa fácil. Em alguns momentos, as poucas palavras do vocabulário restrito da jovem mãe não eram suficientes e aos soluços a mãe disse ao filo que ele teria um lindo bolo com glacê, não de chocolate. Secando as lágrimas da mãe, o filho disse que não havia problema, mas em troca ele queria a televisão ligada durante a comemoração. Ela se perguntou o porquê e a criança, beirando os cinco anos respondeu com austeridade, “Para tentar unir os dois mundos que me cercam.”
É impossível dizer o que passava na cabeça da criança na comemoração: olhos marejados olhando para o bolo precariamente preparado e para lindas imagens de uma torta de maçã que passavam na TV. As crianças de barriga saliente e pele castigada pelo sol, divertiam-se com a intocável torta e o tangível amontoado de glacê. A mãe, admirada com a ausência de balão e o excesso de alegria, pediu para que toda diferença e pobreza recebessem um ponto final, mas infelizmente essa história receberia apenas vírgulas, como muitas outras.

7 comentários:

Monique disse...

Simples coisas da vida... Sempre tão cheias de significados e felicidade... Infelizmente são poucos os que conseguem ver.
Adoro seu blog!

Ah, o nome dele é Bruno Haushahn. Pele clara, cabelos escuros, olhos azuis :D

Beeeijo!

Edu Martins disse...

Simplesmente emocionante. Gostei muito do seu blog, parabéns.

Jéssica Costa disse...

A realidade é tão cruel que até em textos a emoção do real se faz presente. São relatos pensados... Mas que sabemos que na vida real, diariamente, isto é mais que comum.

BJO

Laura Cohen disse...

me lembrou a ultima cronica do fernando sabino! Conhece?

Emmanuel disse...

Estonteante, me lembrou um curta metragem paraibano intitulado: O bolo.
Esse blog me foi um grande achado no dia de hoje!

Fantástico.

déborah disse...

a dura realidade, que não é "transmitida" para a humanidade. Pô, você escreve muito bem :~

Laura Cohen disse...

obrigada
O fernando é meu amigo
ja leu o encontro marcado?

Dualidade o caralho! Trialidade! Quatrualidade! Cada rua nessa brasil é diferente da rua daquele outro brasil!l