domingo, 22 de novembro de 2009

[da maçã envenenada de futuro/presente]

Indo ao mercado, às pressas, correndo contra o relógio, um engravatado escolhe uma maçã argentina pela cor, pesa sem olhar nos olhos do funcionário, pois está lendo o jornal, e se dirige ao caixa para pagar as compras. Dentro de um curto espaço de tempo e lugar, as relações possíveis são impedidas pelo modo de vida contemporâneo, o sorriso para o moço das frutas foi trocado pelo bombardeio de tragédias do diário que o homem trazia nas mãos, o qual nem imaginava quem havia plantado a maçã que ele comia como café da manhã.
Por mais estreitas que as relações aparentemente sejam ou estejam, elas estão divergindo de forma que, involuntariamente, o homem moderno, engravatado ou não, vê-se solitário mesmo em meio a uma multidão e as informações que são trazidas multidirecionalmente pela massificação da mídia são mais relevantes que as trivialidades essenciais. O verde perdeu o tom, a música também. O que se ouve é buzina e o que se vê é fumaça.
Sem dar tchau ou obrigado, o moço da gravata se dirige para o carro comendo maçã, saíra atrasado e não queria comer demais para não pensar de menos, coisas da rotina. Dentro do carro, copos vazios de café, numa noite queria prolongar pelo trabalho, na outra também, e na outra, na outra, na outra... No retrovisor, sem perceber, forma-se a imagem de quem ele é: empresário, rico, solteiro, com olheiras e rugas aos 30. O mundo envelhece pensando no futuro, quando na verdade era ele que deveria trazer a velhice, se não ela, o que o futuro trará? Atemporalidade, o mundo parece transpirar uma idade atemporal. A Eva da sociedade não resistiu, comeu a maçã.

3 comentários:

Victória Freitas disse...

Seus textos têm uma riqueza de detelhes. E mesmo os que são, de certa forma, tristes, são belos.
Já falei que adoro 'me embriagar' deles, né?
Abraço.

Rute Magalhães disse...

Irei voltar para ler mais. Parabens! Depois de 2 minutos na minha roleta diária de "blog seguinte" algo que faz sentido!

Marie

Bruno Batiston disse...

Comentário tardio, mas tenho que dizer, andei lendo tuas postagens e esta foi, de longe, a que mais mexeu comigo. Intrigante, quase incômodo, esse teu jeito de aproximar a gente dessas situações. Exemplo: eu, futuro jornalista (?), vibrando de alegria aqui com a crítica, sutil, à massificação da mídia, tornando essas diversas "informações mais relevantes que as trivialidades convencionais". De qualquer forma, fosse eu um futuro qualquer outra coisa, entenderia teus textos, cê fala de tudo com uma fluidez incrível. Só viver, não é?

Pensando bem, "quase" incômodo não. Teus textos incomodam mesmo. E eu até que gosto, rs.