quinta-feira, 1 de julho de 2010

Naquele dia ela acordara feliz. Na boca, o novo batom cor carmim, no coração, mais esperança que o normal. Alimentara-se bem com um belo bolo de laranja do mercado vizinho, saiu sem pressa, à passos curtos para o ponto de ônibus. Lá, percebeu que as pessoas sentiam de longe o seu perfume, era isso que ela queria: ser notada.
O moço de camiseta branca que estava ao seu lado, pela primeira vez, depois de anos pegando o mesmo ônibus, no mesmo ponto, resolveu dar uma olhada mais masculina na moça. Estava realizando seu desejo, isso a fazia bem. Nunca havia imaginado que poderia ser quista por algum homem, que de alguma forma, fosse o motivo daquelas viradas de cabeça disfarçadas e sem vergonha para ver o todo. Esse sentimento de satisfação estava sendo provado pela primeira vez, mesmo que nervosa, com borboletas no estômago, ela sorria. A gengiva ficava a mostra, tinha um tom profundo de vermelho, demonstrava saúde, apenas no sentido figurado.
Na bolsa não levava muita coisa: maquiagens, para manter a arte impecável que fizera no rosto para esconder as marcas do tempo, absorventes – estava nos seus dias e isso dava a ela um tom ainda mais feminino -, a carteira com pouco dinheiro e um pacote de bolacha, no caso de ter fome. Antes, andava pelas ruas querendo ser um desses itens fracos que compunham o interior da bolsa, queria poder ser carregada pela boa ou má vontade de outrem, não tinha vontade de ser móvel.
Não por preguiça, não por medo ou insegurança, antes, a moça não tinha vontade para nada por nunca ter notícia do que era isso, por não ter tido um padrão a seguir e mesmo que alguns sejam excludentes, são extremamente necessários para a formação de um caráter sólido. A moça era feita de pedaços, cacos espalhados. Nem ao dormir era ela mesma por inteiro, era sempre uma metade.
Mas como havia acordado diferente? Como pudera, de súbito, usar os presentes de aniversário que ganhara da empresa onde trabalhava (um estojo de maquiagem e uma loção para banho) pela primeira vez e encarar o mundo sem muitas horas de espelho? Como encontrou a vida numa noite de sono?
O ônibus havia chegado. O moço deu a vez para ela, a moça, radiante, quase caiu num nó de pernas provindo do amolecer da felicidade. Sem perder a classe ou demonstrar o desalinho subiu reboladamente, num compasso sinuoso de quadril. Sentou-se nos primeiros bancos próximos ao motorista e apesar de ter lido no aviso que era impedido o diálogo com o dirigente, ela deu um sorridente bom dia, coisa que nunca imaginara fazer.
Embora o dia estivesse nas suas primeiras horas, ela trazia no olhar uma vivacidade de fim de tarde, fim de expediente, início de vida. O moço do ponto de ônibus ainda olhava para a moça com desejo, aquilo fazia dela a pessoa mais feliz do mundo. Pensou em sentar ao lado dele, mas não teria o mesmo prazer.
Depois de uma curta viagem, seu ponto se aproximava. Ela puxou a cordinha tendo a certeza que seus dedos ficaram amostra para quem quisesse até para quem não quisesse ver, evidenciando suas unhas pintadas de rebu para a mulher ao lado. Inveja, foi isso que a outra sentiu. Disfarçadamente a mulher invejosa do banco ao lado olhou para suas unhas mal cuidadas e percebeu que a vida a fizera feia.
As mulheres, no fundo do fundo, se arrumam para as próprias mulheres. Por mais que o olhar do moço no ponto de ônibus tivesse lhe levado aos céus, aquele olhar de inveja da moça que sentara próxima dela dera-lhe um orgasmo sentimental. De longe, antes de o ônibus partir, mandou um beijo para o moço junto a uma piscadela sensual e o motorista, de forma cordial desejou-a um “volte sempre”, coisa que nunca fizera antes.
Não estava inteiramente acostumada a ser o centro das atenções, mas a isso se habitua tão rápido como uma criança que veste roupa nova. Olhou a rua, pela primeira vez, com olhos que queriam.

2 comentários:

Flora Maíra disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Muito interessantes teus textos. Este, em especial. Curiosa tua capacidade de usar um eu lírico feminino de forma realista, sem qualquer tipo de machismo.