sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A saudade não dói, corrói.

Havia uma doença que ninguém conhecia, só aquela pequena menina. Apesar de nova, tinha ciência de sua enfermidade. Que lucidez! Seus sintomas eram quietos, mas fortes. Sempre que sentia saudade, um pedacinho do seu coração evaporava, virava um gás miudinho que se diluía no sangue e saía pelos poros, cheirando a ausência. Com quinze anos, sofrendo caladinha, seu coração tinha o tamanho de um pêssego, depois de perder seu pai num acidente de trabalho. Todos os dias, ela chorava uma lágrima de saudade, o que lhe garantia um pedacinho de coração a menos. Inteligente que era, passou a guardar em potes de maionese o ar que saía dos seus poros na esperança de, um dia, converter tudo em coração mais uma vez. Aos vinte, quando o primeiro namorado disse adeus, ela tinha uma ervilha pulsátil e uma parede de maionese cardíaca. Era tanto sangue, tanta ausência. O vazio que ali se fazia, foi enchendo a agora moça. Um dia, se olhando no espelho, percebeu que havia um buraco no seu peito, entre uma costela ou outra, viu que era hora. Hora de ver o que fazer com tanto gás de saudade, o vazio estava corroendo a sua existência. Mirabolou uma máquina, veja você, que liquefazia a saudade. Tinha em mãos, então, o xarope pra recompor seu coração. Sete vidros de xarope cardioformador ou o repositor de miocárdio, pesquisou nome bonito pra botar. Com o remédio pronto, ela ficou pensando por três dias o que fazer. A cabecinha de alfinete que batia em seu peito dizia pra deixar, pra aceitar que de saudade se fez aquela vida. No espelho, mais uma vez, via nitidamente seu músculo minúsculo que se mostrava no buraco que havia no peito. Constatou, a saudosa moça, que ela era aquela ausência e se sentia saudade é porque amava e o amor, para ela, era soberano. Por fim, acreditou que tanto vazio era o fardo que ela carregava por amar demais e, ainda no espelho, ao lembrar de seu antigo cabelo, viu seu grão de areia explodir em saudade. Os sete vidros de xarope foram distribuídos nos asilos de esquecidos que tomavam um golinho por dia pra sentir o calor de amor que aquela moça ainda retribuída ao mundo, mesmo vazia e finda.

Um comentário:

Geni disse...

Oh, meu deus! Que coisa mais linda, Tavinho. A saudade escrita com fios de seda...