quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O sorriso

Midas tinha um irmão. Um irmão que, como ele, também tinha um dom. Só que ao contrário de Midas, seu irmão não transformava tudo o que tocava em ouro e, por isso, foi esquecido. O toque de Silas não agradava muito, era áspero, frio, rude, transformava qualquer superfície num emaranhado de acúleos, como um casulo estéril de dor em potencial. Ninguém ousava tocar na produção tenebrosa e involuntária de Silas, o que o obrigava a usar luvas espessas, impedindo-lhe o prazer do toque. Cansado, o coitado, isolou-se num casa longe do reino de seu irmão e, ainda que sucessor do poder, preferiu viver no anonimato de seu dom às avessas. Em sua casa, sozinho, Silas parou de usar as luvas e aos poucos o conforto que lhe foi garantido no alto da montanha naquela construção de madeira foi ficando espinhoso, mas dele. Mesmo que ele se machucasse ao dormir em sua cama, ele gostava de lá. Mesmo que sua gengiva estivesse machucada pela aspereza da escova já transformada pelo seu poder ingrato, ele gostava de lá. Construiu viveres diferentes daqueles que ele tinha ao lado do irmão, deu vida a sua infelicidade fazendo com que ela se transformasse em compreensão e, porque não, felicidade. Silas passou a gostar dos seus acúleos porque eles eram parte dele. Morreu. 
Ninguém nunca encontrou o corpo de Silas, talvez nem encontrem. Surpreendente é saber que um dia entraram em sua casa isolada facilmente confundida com um roseiral sem rosas. Uma camponesa solitária que procurava um meio de sobreviver achou interessantíssima aquela construção arbórea tão incomum. Intrigada com a planta nova que havia encontrado, com suas mãos calejadas, foi abrindo cada emaranhado espinhoso sem sentir dor. E, ali, como em uma ostra, mas diferente, apresentavam-se pequenos diamantes azulados donos de um brilho que parecia sorrir. Feliz, a camponesa se mudou para perto de sua mina. Ficou rica com aquela nova espécie de diamante e com alguns deles construiu um sorriso na parede de seu quarto. Aquele brilho que sorria a fazia lembrar de alguém que ela nunca conhecera. Apaixonada, fez um memorial àquele que nunca vira, mas certa da sua existência, com as seguintes palavras: Ainda que dolorido, mesmo que distante. Ainda que solitário, mesmo que triste. O brilho azulado cravou em meu coração a força pra viver.
Silas certamente sorriria, talvez pela primeira vez.

3 comentários:

Capitu disse...

Devo ler poetizando, de certo. Mas às vezes "Deus me pune e me tira a poesia. Olho uma pedra e vejo apenas uma pedra". Mergulhei na tristeza, junto com Silas e não vi o tempo de viver a poesia do sentimento a qual fui convidada a sentir.
Lembrei-me de Cartola, que so foi devidamente reconhecido no fim da vida.
Melhor ouvir um pouco de Batatinha, pra eu tentar viver esse sofrimento com beleza.

Capitu disse...

Então vamos sambar...
http://www.youtube.com/watch?v=2LTVEcdaS1Y

Geni disse...

Como pode ser tão maravilhoso?