sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Contudo, sem nada.

Como era possível ver através do vidro, o menino não se deu ao trabalho de sair do quarto. Em frente a casa de onde vinha o cheiro de pernil assado, no chão, um corpo. Um corpo esquálido, inerte ao passar do tempo e dos temporais, mas vivo. Sim. Para a surpresa do menino que esperava contar aos colegas da morte que lhe batera a porta, o corpo ainda tinha um dono a quem responder estímulos. Só que, sem vontade, ele se mimetizou de pedra, camuflou-se de cenário para fugir de sua figura que era densa e intensamente dele. Desimportava a terra, a água que eventualmente caísse de um céu obtuso. Desimportava o universo que não aquele invisível aos olhos do menino que, ainda da janela, comia pernil. O corpo, filho e veículo de um dono ausente, desejava raízes para poder ficar. Permanecer onde os frutos pudessem existir, onde os hormônios da terra fossem eficazes e desejosos pelo verde vivo que vinha dos olhos. Mas não. Não porque o corpo foi aos poucos tomando a retidão, inesperadamente, e seguindo o rumo, ou melhor, o fluxo que levava ao... que levava ao mar. Sim, ao mar. Não saberia o homem (agora a união do corpo com o ser (i)reflexível) dizer o porquê desta escolha, mas ela surgira de súbito e, no fazer dos passos, tornou-se fato. O olfato sofria com o odor ardente do mar ali presente, mas o corpo todo balbuciava ao vento o quanto era bom estar ali; o quanto aquela terra por entre os dedos calejados do barro batido faziam surgir no sangue mais vontade de circular, mais vontade de buscar o sentido ainda não encontrado. Então ele sentou. Contudo, sem raízes, o homem entendeu que seu papel era conceder ao tempo uma última chance de se mostrar operante, útil, porque aquele tic-tac que ia e vinha não poderia ser em vão, assim como tu. 

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