quinta-feira, 22 de julho de 2010

O que é isso tudo se não uma confusão que acaba se entendendo por autofagia?

E eu fiquei esperando o tempo passar até que não percebesse mais aquilo que me separava da individualidade de cada segundo. Era como se agora o tempo fosse uma única massa homogênea dentro de um pensamento irregular sobre plenitude. Não mais queria explicar os avessos da minha existência, procurei apenas saborear aqueles minutos sem o tic ou o tac. Adormeci.
Ainda na ânsia de conseguir explicar, acordei sobressaltado. Fiz da caneta minha bússola. Não sei se perto das palavras encontramos algumas respostas, mas a visibilidade que eu tinha daquele momento era tão opaca que me desfiz da incerteza e me pus a transferir para o papel aquilo que me vinha em mente. Na vil tentativa de conseguir gostar de algo, li com calma o que havia escrito. Amassei e joguei fora. Onde adormece a capacidade da auto-apreciação?
Há alguns dias não sentia fome de verdade. Comia por convenção, uma fome cronológica. E era o tempo que me dizia tudo: coma, vista-se, tome banho, chore, coma, ria, chore, chore. O tempo passava a eu sentado via a janela que se mostrava tão áspera quando meu rosto não barbeado. Era aquela realidade que eu queria transferir para o papel? Era aquele mundo com o qual eu tinha contato diariamente que eu queria que saísse de mim? Minhas divagações sobre o que era a janela duraram poucos cinco minutos e já passei a pensar sobre o que o mundo poderia me oferecer, por que não o contrário?
E da rua via só o horizonte. Não que os outros fatores que a compõem não sejam relevantes, mas acabo filtrando minha visão para aquilo que me faz bem e, naquele momento, era o horizonte que eu queria ver. Queria o horizonte por ser um destino, um fim e ao mesmo tempo um começo, outra época, outra janela. Peguei a borracha pra que, com uma lambidinha na ponta, tentasse apagar a caneta. Sem sucesso me perguntei por que ainda guardava uma borracha se há muito não usava mais lápis. Ainda mirando o horizonte, percebi que sou cego de palavras. Nenhum vocábulo que seja parte da minha pequenez em conhecimento conseguiria desenhar o que se vê pela janela em cada segundo. Quis desenhar, mas não nasci assim. Então, sem medo escrevi na folha que ainda trazia marcas do finado texto que o antecedera já carimbada pela força de minha grafia torta: reclamar é o ato falho da vida adulta, por vezes o tempo, o horizonte, a barba, o fim, mas quase sempre se pede uma realidade que não existe, nem no desenho daquele que queria desenhar, que sabia apenas amontoar palavras.

5 comentários:

Bruno Batiston disse...

Pretensão minha comentar, mas é que me senti como se eu estivesse me consumindo também, de alguma forma... Coisa de quem (tenta) escreve(r), acho.

Leo disse...

Muito bom mesmo! Um dos que eu mais gostei \o

Rafael Luz disse...

Como diz Clarice Lispector, transformar a coisa em palavra diminui a coisa. Belo texto.

Talles Azigon disse...

estou na final do VI eu tenho um blog da comunidade eu tenho um blog no orkut, se achar que mereço seu voto, me sentirei muito grato ^^

Estou concorrendo na categoria LITERATURA. Abraçus

Geni disse...

Uau! Maravilha, nossas vidas! :)