terça-feira, 16 de agosto de 2011

A música era boa. Não era apenas possível falar do que ia aos ouvidos. Na verdade, era uma efusão de sentimentos que levava à insanidade limítrofe do aceitável socialmente. Sociedade? Nada importava, absolutamente nada que estivesse fora daquele mundo, uma nova realidade que brincava de ser ou não ser com o imaginário idealizado daquele rapaz. Ele nunca fora muito de acreditar na vida, mas naquele dia, os olhos de outrem fizeram renascer nos seus algo que há muito havia sido perdido e ele nem ao menos tinha noção disso: da existência de algo, da negligência e da corrosão do próprio eu que isso causa.
No chão, parado, o rapaz se viu como um feto no ventre materno. Na posição da origem biológica do homem cultural, ele se percebeu. Cada centímetro do seu corpo era invadido pela música que tocava lentamente como algo sólido. Estranha essa relação que ele tinha com a música. Era como se tudo fosse a primeira vez, excetuando seu contato com aquelas notas musicais. Não é fácil e nem tão pouco complicado explicar o sorriso daquele moço quando tomou conta da sua falta, da sua própria ausência e o paradoxo que isso implica é tão atraente quanto parece; ele de fato não era o que estava sendo. Era um sorriso que brincava de ser alegre e triste com o tremor dos músculos no canto da boca. Era a movimentação involuntária de algo que pertence apenas ao mundo das ideias. Ele percebeu que não tinha nome, casa, número de telefone ou roupas para usar. Tudo era muito novo a ponto de ele não conseguir mais se reconhecer. 
Levantou. A firmeza quase sólida dos seus joelhos o fez rir. Como? Assim, de súbito, ele queria sair correndo para sentir tudo o que poderia com aquelas milhares de células receptoras que ele não sabia ter. Ele não sabia de nada. Era o cúmulo da ignorância e mesmo assim sorria. Patético. O mais incrível é que ele parecia ter noção de toda sua babaquice e não se importava com isso, afinal, ele não sabia de fato o que era e rir de si era como rir do outro. Que sádico. É provável que o sorriso que aparentemente bordava no seu rosto um semblante de uma sóbria felicidade fosse, então, o sadismo de quem ri da desgraça alheia.
Desgraça foi perceber o mundo. Tudo estava lindo até que a música parou e o resto - não lixo, apenas a sobra daquilo que ainda não existia para ele: o universo dos outros - tomou a batuta, regendo a sinfonia. Desarmonicamente ele quis voltar ao início, retornar ao lugar onde ele não tinha noção de existência alguma. Muito fácil seria, além de sádico ele é covarde? E foi justamente pensando no mundo que o feria onde ele se descobriu. Era palidamente preso na sua ânsia de ser que, numa transe multifatorial, ele simplesmente se esqueceu da essência, se é que existe uma. Aos poucos ele ia voltando ao chão, abraçando seus  joelhos que já haviam voltado ao cúmulo da fraqueza. Enquanto acariciava seu corpo fraco, que era a expressão máxima da fragilidade, teve noção que ainda usava a mesma calça da adolescência. Era como se o mundo inteiro o levasse, numa questão de segundos, ao futuro onde ele era infeliz, perdido e alguém sem noção nenhuma do que é. Aí o leitor pergunta: é o quê? Simplesmente assim. É.

2 comentários:

Anônimo disse...

muito bom. me identifiquei bastante. muito bom.

Amigaoculta disse...

Sabe...Lendo tuas preciosidades, (que, em geral, têm uma adorável predominância do pretérito imperfeito), tive novamente aquela incrível e inexplicável sensação de identificação ou reconhecimento...Já lhe falei sobre ela uma vez, é como se, mesmo tu não sabendo que sabes, tu já sabes, entendes...
Pelo que, mais uma vez, sou-te sinceramente agradecida :)