quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Da dor

Seca pelo tempo, a gota de sangue solidária ao chão doentiamente limpo maculou o futuro daquela moça. A parturiente de primeira viagem, horas antes, pedira ao superior dos pensamentos um destino justo a sua prole interrompida. Pesada pela falha que a desumanizava naquele momento, que a distorcia da imagem outrora criada pelo catolicismo genético, ela acariciou o fruto do seu não-amor com as agulhas de crochê, as quais fizeram o primeiro par de sapatos ao longo dos sete meses gestados. Livres. Ambos, mãe e filho, livres. De qual liberdade se fala? A que vive ou a que impede de viver o fardo de uma vida forçada? No ato, com medo, a moça pôs a força que não tivera de dizer não, a vontade que ocultou de ser a mãe, mas do amanhã. No canto, limpou a sujeira feita com trapos de roupa de um enxoval ganhado. Cambaleou alguns metros, sentou, chorou e morreu. Ali, onde seus olhos opacos miravam um futuro que seria, a moça morreu em partes. E se se morre um pouco por dia, naquele, ela morrera alguns poucos. Levantou, seguiu e foi. Ao passar pela última gota, aquela que não havia sido tirada, resolveu deixar como lembrança, como expressão única da sua mais dolorida verdade. Suas vísceras remontavam a nova vida, menos vivida, mas livre do nome, da fome e do resto. Livre da coisa. Livre de si.

Um comentário:

Geni disse...

Porra, Gu , com o perdão da palavra hehe, vcs poetas ñ podem escrever assim tão lindo demais hehe, q chega dói. "E se se morre um pouco por dia, naquele, ela morrera alguns poucos". Lindo demais, adorei.