sexta-feira, 24 de abril de 2009

Não esperava muito: uma casa, o que comer e roupas limpas. Já era o suficiente. Depois de muito tentar encontrar o verdadeiro caminho para o seu eu, ele preferiu sentar e aproveitar do último suspiro noturno. Não era sexta, nem sábado, mas aquele domingo tinha cara de segunda. Depois de afogar as mágoas nos bares e botequins, era o mundo que caminhava para ele. Sozinho, sem ninguém para limpar o sangue que escorria de sua testa (ferimento provindo de um tombo, ou melhor, mais um deles) ele esperava a cura. Palavra complicada essa, traz em sua semântica a solução, mas não se faz sinônimo de bem estar. De braços dados para o céu, gritava barbarismos que tentavam exprimir dor, ódio, rancor e medo. Não fora um bom filho, nunca manteve uma relação amigável com sua esposa depois do casamento e o filho, jamais vira o pai como ele realmente é. Sempre alterado, saía da construção onde trabalhava e se sentia no direito de aproveitar das lágrimas do alambique, fazer delas as suas tristezas. Jogado ao acaso e a boa vontade de alguém, pode-se dizer que foi vítima? Vítima de quem? Afinal, qual seria a melhor definição de vítima?
O homem sentado no chão, via por entre imagens embaralhadas de uma noite estrelada, pedaços nítidos de sua vida. Mãe ex-prostituta, pai adúltero e também acóolatra. Falta de ensino básico e principalmente de amigos. Medo. Solidão. É evidente que esperar uma melhoria vinda dos céus é algo inviável nos dias atuais, no entanto, o homem não sabia o que fazer. Tentara mudar sua realidade, casara-se com uma moça de boa família, que supostamente traria a salvação de sua culpa crônica de nascer sob o signo da escória. Doce ilusão. "Afasta-te deste vagabundo, minha filha! Ele quer apenas o teu dinheiro e nada mais. Não espere amor do fruto de uma despudorada e recalcada saciadora de prazeres libertinosos" As palavras do sogro eram fortes, marcantes e suficientes. Lebrava-se da história no jornal, que quando ainda sóbrio havia lido. Falava de uma tal de Aparecida, história feita, não história vivida. Moça mal nascida assim como ele, vista como pobre, imposta ao mundo sem perguntar-lhe a opinião a respeito. Ferreira Gular, "Homem inteligente", pensou, "sabe como é ser culpado de sua própria inocência".
Como para palavra de bêbado não se dá valor, lá ficou com seu filme, sem platéia além da noite. E como não amava feito Bilac, não entendia nem ouvia as estrelas. Estava sozinho, era sozinho, seria sozinho. Alguns diriam que era mais um a aumentar as estatísticas de indigentes que não têm perspectivas de vida, que não se importam com o amanhã. Este homem era diferente. Havia nascido culpado, e como dizem e agem, de que vale querer a redenção quando os caminhos levam sempre ao mesmo fim torto?
Aos poucos o sono ficou mais pesado que os pensamentos, acabou deitando na rua mesmo. O dia nasceu, os carros acordaram e os ônibus também. Coitado, tão logo abriu os olhos onde não precisaria mais deles. Ao menos não morreu feito criminoso, feito ladrão. Isso não! Cheg(ou)aria ao lugar onde todos eram iguais, seja de qual signo for.

6 comentários:

Laura Cohen disse...

li isso ao som de uma musica da trilha de lavoura arcaica. Sensacional

Tiago Carturani disse...

Suas palavras soam incrivelmente bem. Acho que não preciso dizer mais nada, não é mesmo? Obrigado. E desculpe por não poder comentar mais vezes

Veri disse...

Achei seu blog por acaso e não estou conseguindo parar de ler... A forma como vc escreve é mto parecida com a minha.

Imaginar toda a situação é o melhor...

M. A. disse...

No fundo somos todos miseráveis. Alguns com cartazes menores, confesso.

Bruna Quirino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Edu Martins disse...

A forma com a qual vc expõe fatos da sociedade é incrível. Aforo seu textos, parabéns.