Seca pelo tempo, a gota de sangue solidária ao chão doentiamente limpo maculou o futuro daquela moça. A parturiente de primeira viagem, horas antes, pedira ao superior dos pensamentos um destino justo a sua prole interrompida. Pesada pela falha que a desumanizava naquele momento, que a distorcia da imagem outrora criada pelo catolicismo genético, ela acariciou o fruto do seu não-amor com as agulhas de crochê, as quais fizeram o primeiro par de sapatos ao longo dos sete meses gestados. Livres. Ambos, mãe e filho, livres. De qual liberdade se fala? A que vive ou a que impede de viver o fardo de uma vida forçada? No ato, com medo, a moça pôs a força que não tivera de dizer não, a vontade que ocultou de ser a mãe, mas do amanhã. No canto, limpou a sujeira feita com trapos de roupa de um enxoval ganhado. Cambaleou alguns metros, sentou, chorou e morreu. Ali, onde seus olhos opacos miravam um futuro que seria, a moça morreu em partes. E se se morre um pouco por dia, naquele, ela morrera alguns poucos. Levantou, seguiu e foi. Ao passar pela última gota, aquela que não havia sido tirada, resolveu deixar como lembrança, como expressão única da sua mais dolorida verdade. Suas vísceras remontavam a nova vida, menos vivida, mas livre do nome, da fome e do resto. Livre da coisa. Livre de si.
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Fim da inércia
sábado, 24 de novembro de 2012
Da soltura do pensamento
Ciúme:
Nunca vi, nem comi, só ouço falar. Dizem que é uma ausência oca que arde no peito e irradia pra mente. Um vazio que dá sentido à mente insana por motivos. Ciúme é essa coisa monstra que faz em dor o que não era pra ser sentido. Ciúme é sentir o que pode ser, lamentar o que não é, chorar o que já foi. É obrigar, xingar, soltar, clamar, ver, fazer acontecer e desacontecer o que, às vezes, não é. Ciúme no fundo, é aquilo que não é, não chega a ser desamor, pode ser um poramor, um além-amor . Não. É um meu-amor(sem o teu amor). Pode ser ainda que ciúme seja uma parte constituinte do sangue que passa no coração. Uma parte viral que minimiza o real e transforma em migalhas o que outrora já alimentou. Ainda bem que nunca senti.
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
O que?
O simbólico sentido do sim
seria simples se sorrisse.
Sou sozinho só sentindo Se for, seja.
sorrindo, sendo simples.
Muda muito minha muda missão
A mim não minto: migrei.
Menti meu medo, mas marchei Mesmo que mudo.
Manquei, marquei na mão o não
e mostrei.
Talvez tenha temido
E tímido, tremi.
Talvez tenha tentado
E tonto, tentei tratar a tua ternura. Tímido.
A ti, o tempo.
A mim, o texto.
Que caia a casa,
a carta, a cor e a coisa.
Cansei de correr como quando caí: Queira.
Casei meu caso ao acaso.
Se for, seja.
Mesmo que mudo.
Tímido.
Queira.
seria simples se sorrisse.
Sou sozinho só sentindo Se for, seja.
sorrindo, sendo simples.
Muda muito minha muda missão
A mim não minto: migrei.
Menti meu medo, mas marchei Mesmo que mudo.
Manquei, marquei na mão o não
e mostrei.
Talvez tenha temido
E tímido, tremi.
Talvez tenha tentado
E tonto, tentei tratar a tua ternura. Tímido.
A ti, o tempo.
A mim, o texto.
Que caia a casa,
a carta, a cor e a coisa.
Cansei de correr como quando caí: Queira.
Casei meu caso ao acaso.
Se for, seja.
Mesmo que mudo.
Tímido.
Queira.
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Anticorpo
Ante o corpo se fez o poço
Tão fundo.
O moço, com medo, caiu.
No fundo.
Perdeu a força, correu.
No chão, gritou:
É meu!
É de ninguém,
é do mundo.
É?
Tão fundo.
O moço, com medo, caiu.
No fundo.
Perdeu a força, correu.
No chão, gritou:
É meu!
É de ninguém,
é do mundo.
É?
domingo, 18 de novembro de 2012
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
A causa da palavra
Escrever é transferir a angústia. É sublimar a falta. É preencher o vazio. Escrever, assim, sem razão, é modificar o destino e dar aos dias um quê de solução, a qual parece longe, distante das horas preguiçosas de um dia chuvoso. É misturar palavras que se procuram num lugar sei lá qual, até que se fundem e fundam a existência daquilo que só é porque ainda não foi e se foi é porque ficou. A palavra é a fuga que tange o medo, a libertação e a dor, a palavra é tronco que sustenta o ser. Escrever é transformar em forma o que transforma e corrói e alma. Escrever é.
Sobre aquela que sabe
Para Geninha
Então fui perdendo o
medo
quase que em doses
homeopáticas de mim.
Com olhos já curtos e
vorazes
Vi que o mundo me era
estranho.
Com um poder de som e
fúria, então
Cantei um eu
De um mundo novo e
relativo
Feito um pronome
que liga meu eu a outro
predicado
e que não seja
subordinado. (!)
Gosto da independência
crua
Nua, ao léu de um futuro
vindo a miúde
No presente brusco de
um passado remoto.
Que foi e que é.
Quero viver num
movimento livre
de gritos roucos,
loucos e agora favoráveis a mim.
Que ecoem na parede de
meus ídolos
Feito a força estranha
de uma tal Maria
Que abriu meus olhos e
disse que eu era capaz.
terça-feira, 13 de novembro de 2012
A coisa
Não te faça de exausto,
esse olhar não mais engana:
tens alma de Fausto.
E ainda carrasco,
perca essa falsa chama
e degole teu próprio asco.
Brigue, grite, clame
Talvez assim, entregue,
sejas menos infame
E, por pena,
alguém te carregue.
Mas que seja breve
e para longe
alguém te leve,
antes que te definas
que te imprimas em mim
e, feito morfina,
me deixes assim:
És, no fim, a coisa.
Aquela que só eu conheço,
o pacote que eu guardo,
a vida que esqueço.
esse olhar não mais engana:
tens alma de Fausto.
E ainda carrasco,
perca essa falsa chama
e degole teu próprio asco.
Brigue, grite, clame
Talvez assim, entregue,
sejas menos infame
E, por pena,
alguém te carregue.
Mas que seja breve
e para longe
alguém te leve,
antes que te definas
que te imprimas em mim
e, feito morfina,
me deixes assim:
És, no fim, a coisa.
Aquela que só eu conheço,
o pacote que eu guardo,
a vida que esqueço.
segunda-feira, 12 de novembro de 2012
Problema pessoal do caso reto
No divã:
_ Doutor, estou com
problemas...
_ Fale sobre eles.
Que tipo de problemas?
_ Eu sempre pensei
que poderia ser alguém sozinho. Mas você sabe, não dá. Eu tenho
uma mania de sempre querer mais, ela sempre me atrapalha, mas eu
sinto que preciso dela porque nós somos capazes juntos. Não sei se
a vossa senhoria, magnífico e cheio de inteligência está
entendendo o que eu quero dizer, mas eles precisam de mim e eu
deles.
_ Já pensou em
conjugar seus problemas?
_ Sim! Três vezes,
estou indo pra quarta meio irregular.
_ Três?
_ Sim. A primeira
era muito passional só queria saber de amar, casar, não me fez
muito a cabeça, a não ser quando ela queria transar, mas eram
poucas as vezes. A segunda era de beber, não acho certo. Só queria
comer... A terceira era muito boa em partir meu coração, aí
simplesmente a deixei ir. Agora a quarta põe a felicidade nos meus
dias, mas não se encaixa no meu padrão de viver.
_ Qual padrão?
_ Ah, não é
necessariamente um padrão. Tem dias que acordo meio irregular. Tudo
é muito relativo.
_ Interessante...
_ Interessante? É
triste! Eu não sei onde me colocar. Quando negam alguma coisa pra
mim, sempre me coloco à frente, não sei me segurar. E se me mandam
fazer algo, eu procuro uma outra ação, preciso de tratamento, por
isso o procurei, talvez o senhor me torne mais ponderado, menos
imperativo.
_ Eu entendo. Fale
mais sobre isso.
_ Sobre o quê?
_ Sobre você!
_ Mas o problema não
sou eu, doutor, eu estou bem, o problema maior está nos outros.
_ Não é o jeito
que você lida com os outros?
_ Talvez sim e
talvez não. Entende? Eu até concordo que tudo tem uma parcela da
minha interpretação, legal. O problema, doutor, é que os outros
fazem de um tudo para me irritar, como que o problema pode estar em
mim?
_ Já pensou na sua
colocação dentro da situação?
_ Quê? Olha,
doutor, não estou gostando do rumo da conversa.
_ Eu digo se você
vem à frente, fica no meio termo ou na retaguarda quando o sujeito
de tudo é você mesmo.
_ Penso que não vim
fazer terapia sexual, desculpa.
_ E quem falou de
sexo?
_ Ah, não se
faça... Todo mundo sabe que o Freud era um maníaco sexual, até
mesmo minha mãe.
_ Interessante você
falar da sua mãe...
_ Não, nunca me
apaixonei pela minha mãe.
_ Tudo bem,
desculpa, já vi que você não é um sujeito simples, é daqueles
que se deixa oculto.
_ Não me venha com
metáforas, comparações ou paradoxos, eu quero paz e você está
me deixando nervoso.
_ Não sabia que
terapia é mexer com o que já decantou?
_ Estava tudo muito
bom enquanto falávamos português.
O sujeito conjugou o
verbo sair no pretérito perfeito do indicativo, na terceira pessoa do singular e nunca mais voltou.
terça-feira, 6 de novembro de 2012
Embriagada
Parecia dia de festa, eu estava bonita. Meus olhos, acostumados com a penumbra, viram tantas luzes que, perdidos, ganharam uma órbita elíptica onde um dos focos tinha nome e sobrenome. Aquele. Vi-me inteira, sem medo, apesar de quase cega com tanta luz. Não era uma luz convencional, visível. Era uma luz que me aquecia, fazia de mim alguém que os dias não eram. Não fui de vestido, nem de blusa rosa, fui de mim. E a obliquidade do pronome vem na tentativa de procurar alguma semelhança com o meu lançamento em direção à vida. Lancei-me. Subi, perdi velocidade, ganhei velocidade e caí. Foi bom. Os braços fracos e os peitos cheios pelo vazio de um sutiã amorteceram a queda e valorizaram o que mais tenho de mim: resiliência. Saltei da festa, na festa e para a festa. Festejei, enfim, minhas formas, meus sabores naqueles abraços repletos de pedaços completos daquilo que me forma. Sou a sóbria bêbada de... Pode ser de ti?
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